Prémio Universidade de Lisboa para o historiador António Borges Coelho

Historiador de 90 anos é autor de Raízes da Expansão Portuguesa ou Inquisição de Évora. Está a trabalhar numa História de Portugal que vai já no sexto volume. "Não concebo uma aula em que o professor está a debitar matéria, ou a fazer um ditado, e o aluno leva para casa um caderno durante um ano e conclui a cadeira com 18 valores."

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O professor Borges Sousa Adriano Miranda

O Prémio Universidade de Lisboa foi atribuído ao historiador António Borges Coelho, 90 anos, autor, entre outras obras, de Raízes da Expansão Portuguesa e Inquisição de Évora, divulgou esta terça-feira o júri.

António Borges Coelho é "um nome singular na historiografia portuguesa contemporânea", lê-se na acta do júri, ao qual presidiu António Cruz Serra, reitor da Universidade de Lisboa.

É o mesmo júri que destaca o "trabalho inovador" do historiador, que foi aluno desta Universidade e nela professor no Departamento de História da Faculdade de Letras (1974-1998), tendo ensinado centenas de alunos, que viria a marcar pelas suas qualidades humanas e pedagógicas, defende.

"Além da relevância do seu percurso científico, muitas vezes perseguido em circunstâncias adversas, o júri sublinhou a grande erudição e acessibilidade da sua obra, e o seu comprometimento com a cultura e a língua, evidenciado no modo como integra na narrativa dos acontecimentos a caracterização detalhada de instituições, informações demográficas e estruturas económicas, sociais e culturais", lê-se na acta já referida.

O júri, que foi ainda constituído por Paulo Macedo, António M. Feijó, Carlos Salema, David Diniz, Eduardo Paz Ferreira, José Pedro Sousa Dias, Leonor Beleza, Maria do Carmo Sousa, Teresa Patrício Gouveia e Vítor Caldeira, destacou ainda a História de Portugal (Editorial Caminho), actualmente com seis volumes, na qual Borges Coelho está a trabalhar.

À agência Lusa, o historiador disse ter aceitado "com júbilo" o prémio por se tratar da sua universidade, apesar de desconhecer até esta data a sua existência. O tempo que passou como aluno e também como professor naquela instituição deixou memórias que acarinha.

Naquela época, lembrou, "havia uma apetência doida pela História na sociedade, eram não só os alunos habituais que se matriculavam no curso de História, como os adultos" que iam às aulas. "Havia um interrogar, um querer saber", disse o historiador, recordando que, antes do 25 de Abril, "a História terminava praticamente na Revolução Francesa [1789-1799], a História Contemporânea e até mesmo a Época Moderna, pouco tinha adiantado, pelo menos [na Universidade de] Lisboa; [enquanto Jorge] Borges Macedo já tinha ido até à Época Moderna" em Coimbra.

O ex-professor da Faculdade de Letras de Lisboa recordou também o convívio e até a contradição e o diálogo entre alunos e professores, por vezes "muito intenso", durante os anos em que leccionou. "Não concebo uma aula em que o professor está a debitar matéria, ou a fazer um ditado, e o aluno leva para casa um caderno durante um ano e conclui a cadeira com 18 [valores]; não concebo isto! As minhas aulas foram organizar trabalho, aprender como se faz a História e como se escreve a História, [porque] tem os seus métodos e tem as suas fontes. Antigamente, antes do 25 de Abril de 1974, repetiam e repetiam, quando o que é preciso é interrogar, questionar."

E foi por estar sempre disposto a questionar visões dominantes da História que a sua obra Raízes da Expansão Portuguesa (1964) foi proibida de circular pela censura do Estado Novo semanas depois da sua publicação. Nela o historiador defende que a expansão portuguesa nos séculos XV e XVI, designadamente a expansão marítima, foi impulsionada pela alta burguesia e não pela nobreza, contrariando a tese mais difundida na época, que atribuía à aristocracia esse impulso.

Começar pela poesia

António Borges Coelho, natural de Murça, em Trás-os-Montes e Alto Douro, estreou-se editorialmente em 1962, com um livro de poesia Roseira Verde, ao qual se seguiu Raízes da Expansão Portuguesa (1964), tendo-se sucedido ensaios historiográficos, obras de poesia, teatro, romance e biografias.

O distinguido matriculou-se em Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa no ano lectivo de 1948/49, tendo interrompido o seu percurso académico para se dedicar à oposição ao regime do Estado Novo, o que lhe valeu vários anos preso, obras proibidas e a perda de direitos de cidadania. Voltou à Faculdade de Letras em 1962 e concluiu a licenciatura com uma tese sobre o pensamento filosófico do alemão Gottfried Leibniz (1646-1716).

O Prémio Universidade de Lisboa, no valor pecuniário de 25 mil euros, será entregue em cerimónia em data a anunciar pela instituição.

No ano passado, o galardão distinguiu a imunologista Maria de Sousa, uma das primeiras mulheres portuguesas reconhecidas internacionalmente pelas suas descobertas científicas.

Instituído em 2006 pelo então reitor José Barata-Moura, o Prémio da Universidade de Lisboa foi atribuído pela primeira vez à cientista Odete Ferreira, que morreu no passado domingo, aos 93 anos.

Da lista de distinguidos fazem já parte, entre outros, o químico Jorge Calado, o investigador Adriano Moreira e o físico nuclear Filipe Duarte Santos.

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