Crédito ao consumo, crédito responsável

Ainda temos menos 34,48% do valor dos créditos concedidos atingido antes da crise de 2008.

Numa altura em que o tema da concessão de crédito volta a estar na ordem do dia, há que separar o trigo do joio, esclarecer conceitos e desfazer ideias pré-concebidas que dificultam uma abordagem responsável sobre esta matéria. É o caso, por exemplo, dos conceitos de endividamento e de sobre-endividamento.

É fundamental esclarecer um erro que é sistematicamente cometido quando se fala de crédito ao consumo, associando-o ao sobre-endividamento. Muitas vezes confunde-se endividamento – o conjunto das responsabilidades que cada um de nós tem no sistema financeiro – com sobre-endividamento, que acontece quando deixamos de ter capacidade de, com o nosso rendimento, fazer face às prestações dos empréstimos que contraímos por razões a que somos alheios: desemprego, diminuição do rendimento (o que aconteceu com as reduções salariais aquando da intervenção da troika), divórcio ou separação e situações de doença.

Por outro lado, há um aspecto relevante no crédito ao consumo e que nem sempre é destacado: o seu contributo para a dinamização da economia nacional e local. É que, muitas vezes, o crédito especializado destinado em mais de 70% ao crédito automóvel apoia a mobilidade das famílias e projetos pessoais e profissionais para atividades essenciais das micro e pequenas empresas. Emprestamos dinheiro para construir algo, para pôr em prática uma ideia ou até um sonho, a quem tenha naturalmente capacidade financeira para pagar.

Por exemplo, uma viatura para distribuição de produtos pode ser determinante para o futuro de um negócio familiar, mas se não tiver acesso a crédito dificilmente conseguirá sobreviver. Se for colocada numa situação em que paga uma prestação mensal com uma taxa de esforço perfeitamente aceitável e sustentável, o crédito é um elemento de apoio ao desenvolvimento dessa família.

Os associados da ASFAC (Associação de Instituições de Crédito Especializado) concedem crédito responsável pois não nos interessa emprestar dinheiro a quem não possa depois pagá-lo. É por isso que o processo de concessão de crédito que implementamos é muito rigoroso, sob pena de pormos em causa a sustentabilidade da nossa atividade. Os nossos associados avaliam a capacidade do cliente para a obtenção de crédito, avaliam a sua taxa de esforço possível e concedem ou não o crédito. As recusas de financiamento entre os nossos associados continuam muito elevadas, sendo superiores a 50% dos pedidos de crédito.

Por outro lado, as novas regras do Banco de Portugal sobre a concessão de crédito à habitação e crédito ao consumo, que entraram em vigor no passado dia 7 de julho, impõem a consagração de regras já por nós seguidas para respeitar o rácio de endividamento, a capacidade financeira das famílias e prevenir o sobre-endividamento. Uma forma de assegurar a sustentabilidade na concessão de crédito, o que já é uma realidade inevitável no nosso setor.

Todos estes fatores, que enumerei até agora, demonstram que atualmente não existem razões para alarme quando falamos no recurso ao crédito ao consumo. Estamos ainda longe de atingir os valores registados antes da crise de 2008 (os números indicam que ainda temos menos 34,48% do valor dos créditos concedidos atingido há dez anos). Mas mais do que pensarmos em termos de valor, para o setor do crédito especializado o que é relevante é que o crescimento do crédito seja sustentado e responsável. Os dados sobre o crédito em incumprimento são relevantes para aferir esta responsabilidade: o crédito em incumprimento baixou 28,92% de 2013 para 2018..

Mas uma ação responsável no crédito especializado não se reduz a números. Há todo um trabalho ligado à literacia financeira que é preciso continuar. A ASFAC também tem credenciais nessa matéria. Desenvolvemos desde 2005, e permanentemente, ações de educação financeira (o que inclui o recurso ao crédito) junto de formadores, professores, assistentes sociais e alunos.

Estabelecemos também parcerias com algumas organizações não-governamentais que apoiam grupos de risco como, por exemplo, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) ou a Pressley Ridge, para além do trabalho de formação de professores, essencial para a educação financeira nas escolas, sendo o programa de educação social e financeira que ministramos parte da rede internacional da Aflatoun, uma ONG com sede na Holanda e que oferece educação social e financeira para crianças e jovens em todo o mundo através de uma rede de pública e privada que atualmente atinge quatro milhões de crianças e jovens por ano em mais de 120 países. Esta aposta na literacia financeira por parte do nosso setor revela que acreditamos que consumidores mais bem informados e com domínio das competências do dinheiro serão naturalmente melhores clientes e clientes mais satisfeitos.

É por tudo isto que podemos dizer que o crédito ao consumo em Portugal é concedido de forma responsável. De resto, Portugal está em linha com a tendência dos restantes países europeus em matéria de crédito ao consumo, onde se assiste a uma consolidação deste indicador. Os últimos dados disponibilizados pela Eurofinas (European Federation of Finance House Associations) indicam que os novos créditos concedidos pelos membros desta organização representam um aumento de 6,2% comparando com 2016.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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