Egípcia que denunciou caso de assédio condenada a dois anos de prisão

Amal Fathy, de 33 anos, contou a sua experiência no Facebook. Dois dias depois, a polícia invadiu a sua casa e prendeu-a juntamente com o marido e filho de três anos, acusando-a de estar a prejudicar o Estado.

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Amal Fathy com o marido Amnistia Internacional

Amal Fathy é actriz e activista dos direitos humanos. Em Maio, publicou um vídeo no Facebook onde denunciou a sua experiência enquanto vítima de assédio sexual. Foi condenada pela justiça egípcia a dois anos de prisão e ao pagamento de uma multa, por “espalhar notícias falsas” com o objectivo de prejudicar o Estado, disse a sua advogada à AFP. Vai contestar a decisão.

No vídeo publicado em Maio, Fathy, de 33 anos, relatou um episódio de assédio que terá acontecido quando se deslocou para ser atendida no seu banco. Contou o sucedido na rede social e criticou o Governo por “falhar no seu papel de protecção de mulheres”. Dois dias depois da publicação, as forças de segurança egípcias invadiram a sua casa. Amal Fathy foi detida juntamente com o marido e o filho de três anos. O marido, Mohamed Lotf, e o filho foram libertados horas mais tarde, mas Fathy continuou presa.

O Governo acusa-a de estar “espalhar notícias falsas como objectivo de prejudicar o Estado egípcio” e de possuir “material indecente”. Por cada acusação recebeu um ano de prisão.

Amal Fathy já tinha denunciado episódios de detenções arbitrárias de defensores de direitos humanos, conta a organização não-governamental Aministia Internacional. Já estava, aliás, alvo de acusações por parte do Governo que a acusa de “pertencer a um grupo terrorista”.

Para além da pena de prisão, Amal Fathy terá de responder a uma multa de aproximadamente 10 mil libras egípcias (o equivalente a 482 euros). No Egipto, o salário mensal médio é de 2,9 mil libras egípcias (aproximadamente 133 euros). Para que a pena seja suspensa, Fathy terá de pagar 20 mil libras egípcias.

O marido de Fathy, Mohamed Lotfy, que integra a Comissão Egípcia de Direitos e Liberdade foi impedido de entrar no tribunal durante a leitura da sentença. “A sentença é uma mensagem para todos os abusadores: a mensagem de que são livres de assediar e abusar sexualmente alguém sem medo de vir a sofrer qualquer punição. Para as vítimas, a mensagem é de que se falarem irão parar à prisão”, afirmou Lofty.

"Este é um caso intolerável de injustiça, em que uma sobrevivente é condenada enquanto o abusador permanece solto", apontou um dos membros da Amnistia Internacional, Najia Bunaim. “Ela não é uma delinquente, e não deveria ser punida por sua coragem”, cita a AFP.

Também no mesmo mês, uma turista libanesa publicou um vídeo que relatava o constante assédio sexual de que foi vítima enquanto estava no Cairo. Foi detida pelas forças de segurança do Egipto no aeroporto do Cairo e condenada a oito anos de prisão sob a acusação de “espalhar rumores para fragilizar a sociedade [egípcia] e atacar a religião”, contava o Wall Street Journal no início deste mês.

A sentença foi reduzida por um ano e posteriormente suspensa. Foi deportada para o Líbano este mês.

O assédio no Egpito

Esta não é a primeira vez que o Egipto condena mulheres que denunciam episódios de violação de direitos humanos, entre os quais constam frequentes queixas de assédio e abuso sexual.

De acordo com relatório de 2013 da Organização das Nações Unidas, cerca de 99% das mulheres egípcias dizem que já foram vítimas de alguma forma de assédio sexual.

Um relatório mais recente, datado a 2015, acrescentava que, em média, todos os anos, 2,5 milhões de mulheres são assediadas nas ruas e vítimas de abuso sexual no Egipto. Os abusos acontecem também nas escolas. Todos os anos, pelo menos 16 mil raparigas são vítimas destes abusos — que podem ir até à violação, lê-se nas conclusões do relatório.

Na amostra recolhida, 82,6% das egípcias afirmam que não se sentem seguras nas ruas e há ainda mais mulheres a sentirem-se inseguras nos transportes públicos (86,5%). As estudantes são das mais expostas (94,2% das estudantes consultadas já foram vítimas). Seguem-se as trabalhadoras (54,2%), as domésticas (39,6%) e as turistas (11,2%).

O assédio sexual foi considerado crime no Egipto em 2014, mas o Governo contesta os números citados pelas organizações de direitos humanos. Em 2017, numa entrevista a um jornal local, a presidente do Conselho Nacional de Mulheres do Egipto, Maya Morsy, defendia que apenas 9,6% das mulheres tinham sido assediadas sexualmente.

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