Dos professores transmissores e velhinhos livros escolares, nem sinal!

Quem usa estes argumentos desconhece o que se faz nas escolas e a diferença que faz o professor.

Mais um ano letivo arrancou e muito se tem falado no processo revolucionário em curso nas escolas, com a adesão ao Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC). Mais uma vez, um outro novo modelo a prometer-nos boas posições nas fileiras do sucesso escolar.

E, como nós aderimos a tudo o que nos promete sucesso, aceitámos, uma vez mais, a experiência. O ministério tem usado os meios de comunicação social, ações de formação, colóquios e fóruns educativos para fazer a campanha de propaganda do PAFC, que, grosso modo, se pauta por duas ações estratégicas: enaltecer o "novo modelo" a entrar em cena e descredibilizar os atores de continuidade, entenda-se, os professores e os livros escolares.

Nesta senda de apoucar os professores, tenho lido expressões curiosas que nos retratam como meros transmissores de conhecimentos, como se, nos dias de hoje, nos limitássemos a estar sentados a debitar um conjunto de informações, prescritas num manual, para uma plateia indiferenciada de alunos em mera passividade auditiva. E, neste cenário, já de si grotesco, descrevem-se os livros escolares, esses objetos retrógrados em plena era digital, como castradores da liberdade de ação e da liberdade criativa, por se quererem constituir como única fonte do saber. Professores e livros escolares cheiram a velho, a tradicional, a passado. Estão desajustados ao novo Perfil do Aluno para o Século XXI, apregoam os arautos da mudança. Quem usa estes argumentos desconhece o que se faz nas escolas, desconhece o papel (ou melhor, os múltiplos papéis) e a diferença que faz o professor e desconhece as características e as potencialidades dos livros escolares.

Não se diminua o ato de ensinar a um relato ou transmissão. Mutatis mutandis as modas pedagógicas, nada substituirá as várias formas de explicação que o professor pode dar aos seus alunos, em contacto direto, olhos nos olhos! Não se confunda transmitir com explicar! O professor orienta, ensina a pensar, a questionar, dá respostas, ajuda e desenvolve muitas outras capacidades nos seus alunos, que os ajudam a crescer! Zanga-se, ri, chora, aconselha... importa-se! Sabem qual é o tema de conversa recorrente quando se juntam professores? Pois é, os alunos! Os seus sucessos, os seus fracassos, os seus potenciais, os seus comportamentos, as suas histórias e estórias. Dificilmente um professor desliga, porque se importa!

Por isso, todos os instrumentos e recursos que o ajudam no seu trabalho diário são importantes, não por ele, tão-só, mas por quem ele se importa, os alunos. E os livros escolares baseiam-se neste pressuposto. Quando estou a conceber e a produzir um recurso educativo, livro ou outro, a pergunta-chave é: de que forma eu posso ajudar os diferentes tipos de alunos, de hoje, a compreenderem este conteúdo ou a desenvolverem esta competência? Por esta razão, os livros escolares – e, claro, tomo como referência os manuais de História em que sou coautora e que conheço bem – são modernos e diversificados, estão ajustados aos tempos que correm, são ricos em atividades que levam os alunos para além de... Propõem trabalhos orientados de pesquisa, lançam desafios e projetos interdisciplinares, sugerem leituras, visitas de estudo e filmes. E, como não podia deixar de ser, têm o texto explicativo. Não se assumem como fontes únicas do conhecimento e propõem diferentes possibilidades de ensino ao professor e de aprendizagem aos alunos, orientando-se pelos pilares que, há já duas décadas, a UNESCO definiu para a Educação, a Ciência e a Cultura – aprender a conhecer, a fazer e a ser/estar; resumindo e concluindo, o tal Perfil do Aluno para o Século XXI. À abordagem de temas como a escravatura, os direitos humanos, os valores democráticos e a participação cívica, dei destaque nos livros de História e Geografia de Portugal. Ou seja, já lá está a tal Cidadania, em contexto, a mesma que agora se tornou mais uma disciplina a sobrecarregar os alunos, a tirar tempo a outras disciplinas e a espartilhar o currículo. Mas esta adequação do livro escolar ao nosso tempo passa também, claro está, pelos recursos digitais que lhe estão associados e que são acessíveis a professores e a alunos, em qualquer lado, a partir de computadores, tablets ou smartphones, assim venham também mudanças para remover das escolas os equipamentos tecnológicos obsoletos e introduzir tecnologia também com perfil do século XXI. Na sala de aula e em casa, o livro escolar, e tudo o que ele hoje engloba, serve de base de estudo, de contraponto de informação, de regulador das aprendizagens.

Curiosamente, li por estes dias alguns estudos, feitos no Reino Unido, sobre o impacto que a utilização destes recursos educativos tem nas aprendizagens, concluindo-se que há aprendizagens mais significativas por parte dos alunos, porque há aulas de maior qualidade. E isto acontece não só pela qualidade técnica e pedagógica dos recursos em si, mas também porque permite ao professor ganhar tempo diário, na preparação e no decorrer das aulas, e usá-lo em apoio individualizado aos seus alunos. Em contracorrente com a “desmanualização” defendida por esta equipa ministerial, na Finlândia, a percentagem de alunos cujos professores usam os livros escolares como base de aprendizagem é superior a 90% (Tim Oates, Why textbooks count, 2014). Acrescento que isto não implica qualquer seguidismo do livro escolar, quem me conhece sabe o quanto rejeito as vias únicas, significa tê-lo como um instrumento de trabalho, que é para isso que ele serve.

Além do mais, as escolas, com maior ou menor intensidade, sempre foram espaços dinâmicos, com projetos, com interdisciplinaridade, com uso das tecnologias que as condições permitem e, por isso, de novo este modelo não tem assim tanto. Os professores sabem isso, estão habituados, e vão-se adaptando às mudanças e adaptando essas mudanças às suas realidades.

Porque as políticas vão e vêm e o professor, apesar de tudo, permanece. Porque se importa!

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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