Serralves em perigo?

É mais do que tempo de o Ministério da Cultura sair da sua habitual letargia e agir.

1. O Museu de Serralves foi, desde a sua inauguração em 1999, o maior êxito que, no âmbito museológico, o país alguma vez conheceu. O seu rápido reconhecimento internacional é também um caso absolutamente único no panorama nacional. Trata-se, em ambos os casos e sem qualquer dúvida, de um património precioso que é preciso consolidar.

2. Mas nada disto aconteceu por acaso, como às vezes parece pensar-se... Pelo contrário, tudo isto foi fruto de uma estratégia muito pensada que, apoiada numa sólida base financeira resultante de uma inédita convergência entre os poderes públicos e as dinâmicas privadas, apostou desde o princípio na exemplaridade e na excelência, assentes numa inquestionável autonomia criativa e artística do Museu.

3. Foi precisamente isso que, segundo o próprio mo disse – e o disse publicamente várias vezes em público –, fez em 1997 Vicente Todolí preferir vir para o Museu de Serralves como seu primeiro director, do que ir dirigir o prestigiado Museu Guggenheim de Bilbau. O excelente trabalho de Vicente Todolí foi depois continuado pelos directores que se lhe seguiram, com o apoio das várias administrações, com destaque – a meu ver – para as que foram presididas por Gomes de Pinho e por Teresa Patrício Gouveia, que de resto é de elementar justiça lembrar que foi quem esteve na origem do projecto do Museu quando esteve no governo, projecto depois abandonado e que eu retomei em 1995.

4. As recentes notícias que envolvem a exposição de Robert Mapplethorpe, e apontam para uma visão parola e censória da arte, são um inquietante sinal do perigo que o Museu de Serralves efectivamente corre, perigo de que nos últimos anos se têm ouvido alguns discretos, mas cada vez mais frequentes, alertas. Esses perigos decorrem sobretudo de uma muito distorcida visão que a administração da Fundação tem do seu papel, muito especialmente – porque as queixas são bem mais vastas – da sua restritiva concepção da autonomia do Museu face à Fundação. Ou, mais claramente ainda, da instrumentalização do Museu por uma Fundação administrada – ao arrepio da sua boa tradição – em termos cada vez mais presidenciais e cada vez menos colegiais.

5. A intromissão agora denunciada, e os acontecimentos que se lhe seguiram numa descredibilizadora cascata, é completamente intolerável e contraria tudo o que a história – e a própria lei – estipulam sobre o funcionamento da Fundação e do Museu de Serralves, respectivamente.

Por isso, a meu ver, é mais do que tempo de o Ministério da Cultura sair da sua habitual letargia e agir.

Não se compreende nem o seu silêncio nem a sua já proverbial inacção. O Ministério da Cultura não se pode eximir das suas responsabilidades legais e institucionais em relação ao que se tem passado, devendo por isso proceder a um rápido inquérito que permita apurar o que realmente se passou. Porque não pode ficar a pairar nenhuma dúvida sobre se houve, ou não, censura no caso da exposição de Robert Mapplethorpe.

6. Porque das duas uma: ou não houve intromissão nem censura, e então temos o direito de saber o porquê, quais foram os motivos de toda esta controvérsia. Ou houve, e a confirmar-se que houve mesmo censura, a remoção da actual direcção tem que ser imediata e exemplar, tanto em nome da lei como em nome da salvaguarda do bom nome desta singular instituição. E, neste caso, dever-se-ia procurar assegurar a continuação de João Ribas à frente do Museu. A cultura e a arte não podem transigir nestas matérias, e a política deve ser o seu braço armado.

Porque, como alguém disse na inauguração do Museu de Serralves, “Portugal precisa de espaços e de monumentos como este: espaços e monumentos de afirmação do seu cosmopolitismo, que são também os da modernização desassombrada de um país que acredita em si próprio e no seu futuro”.

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