Carta da primeira sufragista presa encontrada no Canadá

Annie Kenney foi a única mulher da classe operária a chegar ao topo da União Social e Política das Mulheres (WSPU), sendo instrumental para a campanha das sufragistas. “É o primeiro relato de uma mulher quanto ao que é ser presa pelo direito ao voto", diz a historiadora Lyndsey Jenkins.

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Annie Kenney foi a primeira mulher a ser presa pelo direito ao voto feminino. Bain News Service
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Annie Kenney e Christabel Pankhurst impulsionaram o movimento sufragista. LSE LIBRARY

Foi encontrada no Canadá uma carta que se acredita ter sido escrita pela sufragista Annie Kenney, após ter sido libertada da prisão, em 1905. A carta, dirigida à sua irmã Nell Kenney, é a mais antiga da autoria de uma sufragista envolvida em protestos a ser descoberta, segundo a historiadora envolvida.

A historiadora Lyndsey Jenkins, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, afirmou à BBC estar a fazer pesquisa sobre a família Kenney, quando se deparou com a carta desconhecida. O documento estava num arquivo na capital da Columbia Britânica, no Canadá, para onde uma das irmãs de Annie, Nell Kenney, tinha emigrado. Como estava categorizada como “correspondência geral”, sob o nome completo de Nell (e nome de casamento, Sarah Ellen Clarke),  tinha escapado à atenção dos historiadores, até ao momento.

“Não temos nada assim”, disse Jenkins. “É o primeiro relato de uma mulher quanto ao que é ser presa pelo direito ao voto, e neste momento elas não sabem que vão ser bem-sucedidas”.

A carta, escrita na casa da família Pankhurst, fundadoras da União Social e Política das Mulheres (WSPU), descreve o que Annie sentiu ao sair da prisão, bem como o apoio que a família e a comunidade lhe prestaram. “Poderás ficar surpreendida quanto te disser que fui libertada da prisão de Strangeways ontem de manhã. Estavam mais de 100 pessoas à espera”, conta Annie. “Manchester está vivo, asseguro-te disso”.

Tudo aconteceu quando Annie e Christabel Pankhurst decidiram ir à Câmara Municipal de Manchester, no dia 13 de Outubro de 1905, onde Winston Churchill respondia a perguntas dos cidadãos. Annie conta na sua autobiografia, Memories of a Militant (1924), que ambas sabiam que este não iria responder à delas - “Se for eleito, o que fará para garantir que o sufrágio feminino se torna uma medida governamental?” – devido à pressão que cairia sobre ele para implantar a medida, caso respondesse afirmativamente, e, caso respondesse negativamente, as mulheres do Partido Liberal “ficariam de orelhas levantadas”.

Como esperavam, Churchill não respondeu, pelo que, quando Annie ergueu a bandeira que tinham preparado com o slogan “Votos para as Mulheres”, foram “atiradas porta fora”, conta. Ficaram ambas detidas e, no dia seguinte, Annie foi condenada a três dias na prisão; Christabel a sete. “Christabel não queria que o episódio fosse esquecido. Tinha declarado guerra”, relata Annie.

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Câmara Municipal de Manchester, onde Annie e Christabel foram presas, em 1905. Classic Image / Alamy

O protesto de Annie e de Christabel marcou o início das manifestações sufragistas, que ficaram conhecidas pelo carácter violento. Segundo Jenkins, “o impacto foi imediato e internacional”, pondo as sufragistas nas páginas dos jornais a nível mundial. A partir desse momento, várias mulheres foram presas em Holloway, a primeira prisão apenas para mulheres, na sequência de manifestações pelo direito de voto. “Holloway é absolutamente central para a história das sufragistas”, disse Caitlin Davies, jornalista e escritora citada pelo jornal britânico The Guardian.

"Ela arriscou tudo", diz a historiadora

Annie Kenney, nascida em Oldham (Manchester), foi a quinta de 12 filhos. Com dez anos começou a trabalhar numa fábrica de tecelagem. Juntou-se ao movimento sufragista após ouvir Christabel Pankhurst e Teresa Billington-Greig discursar sobre os direitos das mulheres, numa reunião do Partido Trabalhista Independente (1893-1975), em 1905. Na sua autobiografia, confessa que Pankhurst a “impressionou”, ainda que se mostrasse mais “hesitante, mais nervosa do que [Teresa Billington-Greig]”. Kenney acrescenta que “na semana que se seguiu, [sentiu-se] muito alienada [das suas amigas da fábrica]. [Sentiu] instintivamente que uma grande mudança tinha chegado”.

Foi presa 13 vezes, na sequência de acções propagandistas, fez greves de fome e foi forçada a comer pelos guardas, como muitas outras sufragistas. Foi também alvo da medida “Gato e Rato”, a qual proclamava que prisioneiras em greve de fome podiam ser libertadas caso a sua saúde estivesse em risco, mas que seriam novamente presas passado um certo período de tempo. Foi também a única mulher da classe operária a chegar ao topo da União Social e Política das Mulheres (WSPU), liderada pelas Pankhurst, uma organização que reunia sobretudo mulheres  da classe-média.

“Ela arriscou tudo. Podia ter sido o maior erro da sua vida”, garante Jenkins, citada pela BBC.

De acordo com Jenkins, o papel de Annie na campanha foi “ofuscado pela atenção concedida a famílias com mais contactos, como era o caso da família Pankhurst”. Ainda assim, Kenney dirigiu o movimento em Londres durante os seus anos mais turbulentos, de 1912 a 1914, quando Christabel Pankhurst fugiu para França para evitar uma pena de prisão.

Contudo, quando o direito ao voto chegou, em 1918, Annie afastou-se quase completamente do activismo político, por estar “física e mentalmente exausta”, segundo documentos da Universidade de East Anglia, no Reino Unido. Dedicou os dois anos seguintes à escrita da sua história enquanto sufragista, documentada em Memories of a Militant (1924), e, em 1920, casou com James Taylor, de quem teve um filho. Morreu em 1953, aos 73 anos, vítima de um acidente vascular cerebral.

Citada pela Universidade de Oxford, Helen Pankhurst, neta de Sylvia Pankhurst que se dedica à defesa dos direitos das mulheres, declarou que ainda se está "a aprender sobre as mulheres que deram [o direito de votar], 100 anos depois”. “Temos de nos lembrar dos seus sacrifícios e do facto de que mulheres no Reino Unido e em todo o mundo ainda estarem a lutar para alcançar um verdadeiro sentido de igualdade para todos”.

A carta estará disponível na Galeria de Oldham, em Manchester, no Reino Unido, do dia 29 de Setembro ao dia 12 de Janeiro.

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