Fim da dupla tributação com Angola: um marco "histórico" que falta ainda entrar em vigor

Luanda identificou 390 milhões de euros em dívidas a empresas portuguesas, mas só 90 milhões estão certificados e não há pormenores sobre pagamentos.

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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Em termos económicos, a visita do primeiro-ministro, António Costa, fica marcada pela convenção que marca o fim da dupla tributação entre Portugal e Angola, assinada esta terça-feira em Luanda. João Traça, presidente da Câmara do Comércio e Indústria Portugal-Angola (CCIPA), que faz um balanço “muito positivo” da visita de António Costa - marca “o início de um novo ciclo”, diz -, destaca que o ponto alto foi o da convenção “pelo seu significado histórico”, já que era aguardada “há vinte anos”.

Houve no passado várias tentativas, com avanços e recuos, mas até agora nada se tinha concretizado no terreno. Após o passo dado esta terça-feira em Luanda, com a assinatura do secretário de Estado-Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, e do ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, falta ainda que a Assembleia da República ratifique o documento (o primeiro do género assinado entre Angola e um país da UE), para que este possa então ser publicado em Diário da República e entrar em vigor (um processo que também terá de dar os seus próprios passos em Angola). Este tipo de processos, no entanto, pode demorar vários meses, ou até mesmo anos.

Na prática, o que se passa é que empresas e pessoas singulares (trabalhadores expatriados) podem ser tributadas em dois países sobre o mesmo rendimento. Com a convenção, fica clarificado o procedimento da colecta por partes dos Estados envolvidos.

Inês Cunha, Tax Director da PwC, dá como exemplo uma empresa portuguesa que preste serviços a uma entidade angolana “e que está sujeita a retenção na fonte de imposto à taxa de 6,5% em Angola, sendo que esse rendimento será englobado no resultado tributável em Portugal e sujeito a IRC à taxa de 21%”. “Com este acordo”, diz, "a empresa portuguesa deixaria de sofrer retenção na fonte de imposto em Angola e seria somente tributada em Portugal”. 

No caso dos expatriados, explica Inês Cunha, “este tipo de acordos estabelece regras para que apenas um país tribute os rendimentos ou o país de residência conceda um crédito pelo imposto pago no outro país, evitando desta forma a dupla tributação”.

Segundo o descritivo do acordo, o objectivo é “promover o combate à fraude e à evasão fiscal” e “contribuir para o desagravamento fiscal do investimento angolano em Portugal e do investimento português em Angola, fomentando a internacionalização e a aproximação entre as empresas de ambos os países”. “A certeza e segurança jurídica decorrentes desta convenção”, defende-se, “representam um factor evidente de incentivo à captação mútua de investimento”. E tanto António Costa como o presidente de Angola, João Lourenço, defenderam um incremento dos investimentos das empresas dos dois países.

No caso dos investidores portugueses em Angola, estes estão ainda a braços com várias dificuldades, como falhas de pagamentos e falta de divisas para repatriar capitais.

De acordo com o ministro das Finanças de Angola, citado pela Lusa, o Estado é responsável por cerca de 390 milhões de dívidas em atraso, dos quais 90 milhões correspondem a dívida certificada de entidades públicas angolanas. O objectivo, afirmou este responsável, é fechar até Novembro a maior parte do processo das dívidas ainda por certificar (João Lourenço deve visitar Portugal em visita oficial a 23 e 24 desse mês).

Nada foi dito sobre a forma como vão ser pagas as dívidas e a que período temporal correspondem (grande parte estará ligada às construturas).

Devido à falta de divisas, várias empresas têm optado por aplicar dinheiro em dívida local, até porque isso permite escapar à desvalorização do kwanza (as operações de compra de obrigações estão indexadas ao dólar). A TAP, por exemplo, tinha no final do ano passado 80,8 milhões de euros em dívida de curto prazo do Estado angolano, o dobro do valor registado em 2016. Outros 41,6 milhões estavam em depósitos bancários, à espera para serem transferidos para Lisboa.

A TAP é uma das maiores empresas presentes em Angola, com um voo diário. Esta terça-feira, os dois Estados formalizaram um acordo sobre transporte aéreo que tinha sido negociado em 2010, mas que ficou por assinar desde então. Isso pode potenciar as ligações entre Lisboa e Luanda, mas para já não há indicações de reforço por parte da TAP.

Linha reforçada, exportações a cair

A visita de dois dias de António Costa a Luanda serviu também para o primeiro-ministro anunciar um reforço de 50% da linha de crédito de apoio às exportações, elevando-a de 1000 milhões para os 1500 milhões de euros, além da promessa de simplificação dos procedimentos. Este é, disse o governante, “um sinal muito importante da vontade dos dois países continuarem a estreitar as suas relações económicas". Neste momento, as vendas de bens para Angola estão a atravessar um mau período, com quebras sucessivas devido à crise que este país atravessa, potenciada pelo baixo preço do petróleo que se fez sentir nos últimos anos.

Depois de um ciclo de queda de 22 meses, iniciado em Janeiro de 2015, houve um movimento de recuperação nos meses anteriores às eleições que, em Agosto do ano passado, conduziram João Lourenço à presidência do país, substituindo José Eduardo dos Santos. Logo depois disso, em Novembro, as vendas voltaram a cair, numa tendência que se tem mantido até agora. De acordo com os últimos dados do INE, nos primeiros sete meses deste ano as exportações desceram 16,5% (o que equivale a 172,4 milhões de euros), com Julho a recuar 22%.

Se Portugal “deseja o aprofundamento da presença de Angola”, como frisou António Costa, Angola quer e precisa de captar mais investimentos produtivos e depender menos das exportações. Com uma nova lei do investimento privado no terreno, João Lourenço, citado pela Lusa, afirmou que as pequenas e médias empresas devem olhar para os sectores da indústria transformadora “com base em matérias-primas e em materiais locais”, a agricultura e a agro-indústria.

Sobre este aspecto, falta ainda fechar, e implementar, o Acordo de Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos entre os dois países. Para já, ficou o compromisso político de concluir esse processo.

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