TAP tem 120 milhões de euros retidos em Angola

Transportadora duplicou verba aplicada em dívida deste país para 80 milhões e tem mais 42 milhões em depósitos por repatriar.

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Lucro de 100 milhões da transportadora foram penalizados por factores como o negócio da manutençao no Brasil Reuters/RAFAEL MARCHANTE

O mercado angolano tem sido uma boa fonte de receitas para a TAP, mas a transportadora aérea tarda em conseguir usufruir desses ganhos. No final do ano passado, de acordo com o relatório e contas (R&C) da empresa agora disponibilizado, tinham já sido aplicados 80,8 milhões de euros em dívida de curto prazo do Estado angolano, o dobro do valor registado no final de 2016.

Esta é uma forma de proteger o dinheiro retido no país por dificuldades na obtenção de divisas para a expatriação do capital (devido à crise que este país atravessa pela baixa do preço do petróleo), já que as operações de compra de obrigações estão indexadas ao dólar (e não ao kwanza, que tem desvalorizado).

Depois, há ainda, de acordo com o R&C (que precisa ainda de ser aprovado em assembleia-geral, marcada para 9 de Maio), depósitos bancários no valor de 41,6 milhões de euros. Neste caso, o dinheiro está denominado em kwanzas, dólares e euros, com a empresa a deparar-se “actualmente” com “dificuldades de repatriamento de fundos”. Este valor é superior em cerca de seis milhões de euros ao total dos depósitos no final de 2016. Ao todo, entre dívida angolana e depósitos, o montante chega aos 122,4 milhões de euros.

Questionada pelo PÚBLICO sobre esta questão, nomeadamente o grau de exposição a este país e até onde pode a empresa continuar a intensificar esta situação, fonte oficial respondeu apenas que “a estratégia de investir em títulos do tesouro angolano foi bem-sucedida já que os mesmos estão vinculados ao dólar, o que permitiu minimizar o impacto da desvalorização do kwanza”.

Em Dezembro, e depois de questionado por jornalistas sobre as verbas retidas em Angola, o então presidente executivo da empresa, Fernando Pinto, já tinha reconhecido um aumento dos valores aplicados em dívida pública angolana. "Existem dificuldades, todos sabemos”, destacou o gestor, entretanto substituído por Antonoaldo Neves. Afirmando que a empresa continuava em negociações com Luanda, Fernando Pinto acabou por sublinhar que “a situação não pode continuar assim”.

Grupo volta aos lucros

O R&C confirma que o ano passado marcou o regresso aos lucros por parte do grupo, algo que já não acontecia desde 2007, com um resultado positivo de 21,2 milhões de euros (conforme já adiantou o Negócios). O grande contributo veio da transportadora aérea, com 100,4 milhões de euros (mais quase 200% face aos 33,5 milhões de 2016), a que se somam 8,7 milhões do negócio de tratamento de bagagens (a TAP é dona de 49% da Groundforce). Apesar disso, a continuação dos prejuízos na unidade de manutenção e engenharia no Brasil penalizou o resultado final. A TAP Manutenção Brasil teve um prejuízo de 50,1 milhões de euros e a Aeropar Participações (Brasil) registou uma perda de 24,6 milhões. Não foi possível, no entanto, identificar todos os contributos, positivo e negativos, que acabaram por definir o lucro de 21,2 milhões.  

A empresa destaca o crescimento da procura, com especial contributo da Europa e dos Estados Unidos, bem como a “recuperação do mercado brasileiro”, mas também a subida da oferta. Em termos de transporte aéreo, o crescimento foi de 21,6% para 14,2 milhões de passageiros, tendo a rubrica de vendas e serviços prestados crescido 27,8% (o valor total da receita chegou aos 2977,6 milhões, contra os 2338,3 milhões de 2016). Com mais destinos e aumento da oferta (assentos) na sequência das alterações feitas ao interior dos aviões, bem como novas tarifas, a empresa diz que houve um “reforço importante do hub de Lisboa” e que contribuiu “para o número recorde de turistas verificado em Portugal. Em 2017, a TAP diz que recuperou “quota de mercado no aeroporto de Lisboa, após a perda de terreno dos últimos anos”.

Parte fundamental da estratégia da TAP, detida em 45% pelos privados da Atlantic Gayteway (David Neeleman, Humberto Pedrosa e o grupo chinês HNA, que nomeiam a comissão executiva), é a renovação da frota. A empresa recebeu na semana passada o primeiro A320neo da Airbus, um avião que, entre outros aspectos, é muito mais eficiente em termos de consumo de combustível (isto numa altura em que os preços do petróleo voltaram a subir depois de cerca de dois anos em valores muito baixos).

Para este ano, a empresa diz que uma das suas prioridades é “incrementar a rentabilidade” através do aumento da receita, “optimizando a eficiência e reduzindo o desperdício, a par de uma revisão sistemática dos processos”.

Numa mensagem aos trabalhadores enviada esta terça-feira, Antonoaldo Neves começa por destacar o resultado positivo do grupo nos dois primeiros parágrafos, mas logo destaca: este “poderia ter sido ainda melhor caso não tivéssemos registado um aumento” do custo unitário na transportadora aérea de “cerca de 8% quando comparado com 2016, o que representa um desafio para este ano”.

Afirmando-se focado em reverter o quadro de prejuízos no negócio do Brasil, o gestor agradece o contributo dos trabalhadores, para logo acrescentar que os “resultados ainda não são confortáveis, tendo em vista os compromissos que temos pela frente, bem como a volatilidade comum ao sector aéreo”. “Precisamos de multiplicar este resultado por pelo menos sete vezes para que se atinja a média de rentabilidade das outras companhias aéreas de nível global e para que haja sustentabilidade. Os desafios são enormes”, remata.

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