Ministro da Educação: “O Governo não enganou os docentes”

Se as negociações com os sindicatos falharam, foi porque estes se mantiveram “absolutamente inflexíveis”, diz o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. Milhares de alunos regressam nesta segunda-feira às escolas.

“Nunca foi dito aos sindicatos que a variável tempo não ia ser negociada” Manuel Carvalho, Samuel Silva, Teresa Miranda

Entrevista ao ministro da Educação:

A porta das negociações fechou-se uma semana antes. Sem o acordo dos sindicatos, o Governo decidiu avançar para a contabilização de dois anos, quatro meses e 18 dias do tempo de serviço dos professores para efeitos de carreira, bem longe dos mais de nove anos exigidos pelos sindicatos e que correspondiam à totalidade do tempo em que as carreiras da função pública estiveram congeladas. O Governo “deu um passo”, os sindicatos é que não, diz o ministro da Educação ao PÚBLICO, numa entrevista realizada no Liceu Alexandre Herculano, no Porto, que este ano entrará em obras de reabilitação. O governante não se compromete, porém, com um prazo para que os professores sintam, de facto, os efeitos do tempo que vai ser contado nas suas carreiras.

Em Novembro do ano passado, à porta do I Congresso das Escolas, tínhamo-lo ouvido prometer que iria “lutar radicalmente” pelos professores. Esta derrota dos professores nas negociações com o Governo a propósito da recuperação do tempo de serviço também é uma derrota sua?
Lutar radicalmente – e essa palavra é forte, mas eu quis utilizá-la de forma enfática – foi uma forma de mostrar o nosso compromisso com a valorização da condição docente sem nenhuma hesitação. Temos que nos lembrar de onde vimos. Na governação anterior, o Ministério da Educação [ME] e o Governo entendiam sempre que os representantes dos trabalhadores estavam do outro lado da barricada e não havia concertação social nem diálogo.

Os sindicatos dizem que o Governo e o seu ministro não dialogam com eles.
Por não chegarmos ao mesmo ponto de chegada, isso não significa que não haja diálogo. Em três anos vinculámos 7000 pessoas aos quadros, fizemos com que a famosa “norma-travão” tivesse passado de cinco para três anos.

Os sindicatos subiram de tom nas suas reivindicações contra o Governo. Associa essa subida de tom à proximidade do próximo ciclo eleitoral?
Todos nós sabemos que uma legislatura tem quatro anos, que a aproximação ao fim da legislatura tem implicações naturais no que é a dialéctica entre os actores da democracia. Os sindicatos fazem o seu trabalho. Seria impensável termos uma democracia consolidada se não tivéssemos sindicatos consolidados.

Esta pressão dos sindicatos sobre o ME é algo que, na sua mundivisão, é uma coisa óbvia.
As reivindicações sindicais inscrevem-se numa normalidade do processo democrático. O programa eleitoral do PS e o programa do Governo assentavam na ideia de devolver rendimentos às famílias. Isso criou também novas reivindicações. As organizações sindicais e os trabalhadores identificam neste um Governo com quem se pode dialogar, a quem vale a pena reivindicar.

Ainda assim vamos ter um início de ano escolar muito provavelmente com uma greve.
Só quem não conhece verdadeiramente as nossas comunidades educativas, os nossos profissionais, a sua lisura, profissionalismo, a sua sobriedade, é que pode pensar que estas reivindicações salariais podem pôr em causa os projectos educativos das nossas escolas. Relativamente à greve, não vou comentar. Em todos os anos lectivos da democracia existiram greves. Na luta sindical, cada vez que se resolve uma questão surge uma nova.

Os sindicatos queixam-se do incumprimento de uma promessa por parte do Governo. O argumento que usam é uma resolução que foi aprovada na Assembleia da República, com o voto favorável do PS, com a qual dizem ter ficado convencidos que o Governo iria conceder os nove anos, quatro meses e dois dias.
Nunca foi dito aos sindicatos que a variável tempo não iria ser negociada. O que se decidiu pôr na lei do Orçamento do Estado [OE] de 2018 foi que, da mesma forma que aconteceu com todos os outros funcionários públicos, os docentes e todos os outros trabalhadores da Educação iriam ter as carreiras descongeladas a partir do dia 1 de Janeiro de 2018. De 2011 a 2017, as sucessivas leis do OE foram muito claras: disseram que todos os funcionários públicos não progrediam e que aqueles que progrediam maioritariamente pelo factor tempo não veriam contabilizado nenhum tempo.

Perdiam esse tempo para sempre.
Era o que diziam as sucessivas leis do OE que foram leis sobre as quais se levantaram muitas questões sobre a sua constitucionalidade. Curiosamente, estas questões em concreto nunca levantaram nenhuma questão relativamente à sua constitucionalidade. No corpo de docentes, 46 mil professores já vão ter uma progressão remuneratória em 2018, 30 mil até ao final de Agosto. Todo este trabalho foi feito pelo Governo e liderado pelo Ministério das Finanças através da secretaria de Estado da Administração e Emprego Público. A negociação sectorial tem estado centrada no ME, mas tendo o Governo como interlocutor. O Governo foi sensível, a concertação ocorreu e houve a assinatura de uma declaração de compromisso que punha em cima da mesa três variáveis: o calendário, o modo e também o tempo. Foi isso que o Governo sempre disse, foi sempre isso que se disse nas mesas negociais. O Governo não enganou os docentes e não enganou os seus representantes através das organizações sindicais. Além disso, demos um passo quando apresentámos a proposta de contabilização dos dois anos, nove meses e 18 dias, que são 70% dos quatro anos que é o impulso de carreira dos professores. Desde aí, os sindicatos foram absolutamente inflexíveis.

A Fenprof anunciou que vai pedir a negociação suplementar sobre esta matéria. Se os sindicatos aparecerem com uma contraproposta, é possível reabrir as negociações ou este é um assunto encerrado?
Neste momento em que estamos a falar ainda não foi pedida a negociação suplementar. Não vamos fazer aqui uma negociação que tem que ser feita em sede própria.

Quando é que estes anos são contabilizados e quando é que eles têm, de facto, efeitos sobre a carreira e os vencimentos dos docentes?
Havendo a possibilidade de haver negociação, essa possibilidade e essa situação tem que ser negociada também com os sindicatos.

Não há razão para os receios dos professores de que só poderão recolher efeitos desta medida em 2022 ou 2023?
Os professores não viam contabilizado nada. A partir do momento em que vêem contabilizado algo, que é mais do que nada – e significativamente mais do que nada –, penso que não poderá haver de todo lugar à palavra receio.

O Estatuto da Carreira Docente precisa de ser revisto?
Não estava no programa do Governo uma revisão do Estatuto da Carreira Docente.

Pode surgir na próxima legislatura?
Relativamente à próxima legislatura seria fazer futurologia. Agora não é o momento de estarmos a falar do Estatuto da Carreira Docente.

Se António Costa o convidar, aceita manter-se num eventual futuro Governo do PS como ministro da Educação?
Tenho um compromisso com o senhor primeiro-ministro para esta legislatura. Para a próxima legislatura, quem vai referendar a possibilidade de existir um Governo e qual será a constituição do Governo serão os portugueses.

Não tem saudades dos laboratórios?
Todos os dias tenho saudades de ser cientista. Mas todos os dias utilizo a minha vida de cientista e as ferramentas de cientista quando trabalho no ME. Sempre serei cientista, mas nunca deixarei também de ter as ferramentas que me deu a política para entender melhor a sociedade. Essas duas componentes fizeram com que a construção de quem sou agora fossem cumulativas e não excludentes.

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