Reorganização territorial: recuperar de um erro histórico

É importante garantir que a "Lei Relvas" não passa de um percalço na administração do território nacional.

Qualquer que seja a nossa posição atual sobre a fusão de freguesias, há algo indesmentível: a Reorganização Administrativa do Território das Freguesias, (RATF) promovida em 2013, não foi justa nem equilibrada na maioria dos casos. Assuma-se sem rodeios: a fusão de muitas das freguesias afetadas foi decidida mais em função dos interesses eleitorais do momento e da necessidade de votos do que em função dos reais interesses da população local.

Vem isto a propósito de um dos diversos temas que marcarão o início da 4.ª sessão legislativa da atual legislatura: o debate em torno da possível reversão da RATF, implementada pela Lei n.º 11-A/2013. Em análise na Assembleia da República vão estar quatro projetos de lei, entre os quais se encontra um apresentado pelo Governo. Na sua essência, e com algumas nuances, todas as propostas defendem o mesmo: a reversão da "Lei Relvas", como ficou então conhecida a malfadada reforma, e que levou à fusão de centenas de freguesias em 2013, às portas das eleições autárquicas.

O que sucedeu no município de Macedo de Cavaleiros é somente um espelho do que aconteceu em muitos dos restantes concelhos portugueses. Uniram-se freguesias sem qualquer tipo de ligação histórica ou identitária entre si, algumas que distam umas das outras, em alguns casos mais de dez quilómetros e houve casos em que freguesias com duas ou três dezenas de habitantes foram, pura e simplesmente, absorvidas pelas de maior dimensão.

As consequências, na maioria dos casos, estão à vista de todos. Os lugares que perderam o estatuto de freguesia e foram aglutinados a outras ficaram praticamente sem investimentos estruturais nos últimos anos ou com serviços públicos distantes e, para muitas pessoas, quase inacessíveis. As populações das novas uniões de freguesias continuam de costas voltadas entre si e, não raras vezes, as rivalidades antigas agudizaram-se ainda mais. Basta, aliás, percorrer algumas das freguesias afetadas por esta reforma e falar com as pessoas para perceber como ainda hoje, cinco anos volvidos, a revolta de muitos dos populares está à flor da pele.

O debate em torno da Reorganização Administrativa do Território das Freguesias representa um momento único de reparar um erro histórico. Uma oportunidade de analisar caso a caso, não só o impacto financeiro, mas sobretudo a coesão social destas regiões. É preciso ir ao terreno e ouvir as pessoas e os autarcas locais, o seu sentir e pensar nesta matéria. Perceber quais as verdadeiras ligações entre as pessoas, a sua história e seu passado.

É por isso importante não perder a oportunidade de reparar um erro histórico e garantir que a "Lei Relvas" não passa de um percalço na administração do território nacional. Assegurar que, desta feita, se ouvem as pessoas, os principais interessados e afetados pelas alterações que se introduzam na organização territorial de Portugal. E garantir, sobretudo, que não se decide em função de interesses eleitorais de ocasião e de costas voltadas para a população.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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