Estudantes recolhem fotografias para preservar memória do Museu Nacional do Rio

Vice-directora estima que incêndio tenha destruído 90% do acervo de 20 milhões de peças. Luzia, o fóssil humano mais antigo encontrado na América Larina, ainda não apareceu. Governo anuncia plano de recuperação.

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Um quadro resgatado do interior do museu Reuters/PILAR OLIVARES
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Funcionários transportam um objecto recuperado Reuters/PILAR OLIVARES
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Do museu sobrou a estrutura do edifício, como se tivesse ficado oco Reuters/PILAR OLIVARES

Responsáveis e investigadores do Museu Nacional do Rio de Janeiro preparam-se para mais um dia de buscas entre os escombros, à procura de peças que tenham escapado ao incêndio que consumiu o edifício na noite de domingo. Estudantes de Museologia da Universidade Federal do Rio (UFRJ), na qual o museu estava incorporado, lançaram, entretanto, um apelo aos visitantes e estão a reunir fotografias “para, de alguma forma, conseguir reviver a memória deste lugar”.

Segunda-feira ao fim do dia (início da madrugada em Portugal) ainda não era possível inventariar as perdas entre as 20 milhões de peças que constituíam as colecções do museu fundado há exactamente 200 anos, durante a época colonial. Enquanto os bombeiros combatiam as chamas, alguns funcionários retiraram o que puderam do edifício, esforços que continuaram ao longo de todo o dia, apesar das dificuldades: como relatou ao PÚBLICO por email a historiadora e antropóloga Adriana Facina, não era fácil entrar no museu porque o chão estava “ainda muito quente e há fumaça”.

“Ainda há focos de incêndio e fumaça”, confirmava a vice-directora Cristina Cerejo, citada pelo jornal O Globo. “[O] meu cálculo é de que apenas 10% do acervo do museu resistiu, sobre Luzia é impossível dizer se sobreviveu”, afirmou Serejo. Luzia é o nome dado ao crânio encontrado em 1970 em Lagoa Santa, Minas Gerais, considerado o fóssil humano mais antigo da América Latina, com mais de 12 mil anos.

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Fóssil Luzia MUSEU NACIONAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

O museu só tinha 3000 peças em exibição e, segundo explicaram os funcionários, Luzia estava guardada dentro de uma caixa de metal colocada no interior de um armário na ala dos fundos. O armário ainda está debaixo de escombros. “Torço que ela tenha ficado intacta. Que tenha sobrevivido. Mas é impossível saber agora”, disse ao mesmo diário o geógrafo Renato Cabral Ramos.

Colecções egípcia, indígena e africana

Cabral Ramos foi o primeiro a anunciar a destruição total da colecção egípcia, que incluía várias múmias (algumas adquiridas pelo imperador Pedro I). O mesmo aconteceu com a biblioteca de Antropologia e Ciências Sociais do Museu, a maior da UFRJ, diz Serejo. E, segundo a antropóloga Adriana Facina, “uma das perdas mais graves foi a da colecção de etnologia, que reunia artefactos de populações indígenas exterminadas e que são irrecuperáveis”. A investigadora sublinha ainda que “a colecção africana, única no mundo, foi dizimada”.

A boa notícia do dia foi o resgate de uma pintura de Marechal Rondon, militar brasileiro que liderou explorações ao Mato Grosso e a Amazónia: o quadro do início do século XX em óleo e coberto de fuligem mostra o próprio marechal fardado. Os funcionários acreditam que pode ser restaurado.

Governo disponibiliza três milhões de euros

O Governo anunciou que vai criar um comité executivo para gerir a recuperação do Museu Nacional e disponibilizou para isso 15 milhões de reais (um pouco mais de três milhões de euros).

De acordo com um comunicado divulgados pelos ministérios da Cultura e da Educação, dois terços deste valor serão aplicados na segurança do local, no reforço das estruturas e no resgate de parte do acervo; o restante será usado na criação de um projecto de restauração e recuperação do museu propriamente dito, fase que poderá contar com a participação da UNESCO (a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

Fundado durante a época colonial, antiga residência da família real e depois imperial, tratava-se do maior e mais importante museu de História Natural e Antropologia da América Latina. Na sequência do incêndio, choveram críticas ao desinvestimento estatal no museu, particularmente grave nos últimos três anos, mas iniciado há muito mais tempo.

Reconstruir memória

Enquanto os brasileiros publicavam espontaneamente fotografias das suas visitas ao museu nas redes sociais – as múmias, os esqueletos de maiores dimensões, como os dos dinossauros, as colecções de borboletas –, os alunos de Museologia UFRJ decidiam reunir todas as fotos possíveis para criar um acervo digital das colecções.

Os estudantes, que pedem que as imagens sejam enviadas para endereços de email (tgh.museu@gmail.com; lusantosmuseo@gmail.com; e isabeladfrreitas@gmail.com), já contam com o apoio do laboratório peruano de experiências inovadoras em museologia, o Museofilia, que divulgou o pedido dos alunos brasileiros e se une à sua campanha “para reconstruir a memória deste museu”.

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