Grandes expectativas na final do Operalia

No dia da grande final do concurso de canto lírico de projecção mundial criado por Plácido Domingo que este ano se realiza em Lisboa, damos a conhecer alguns finalistas, entre os quais o tenor português Luís Gomes.

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O tenor português Luís Gomes está entre os finalistas dr
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O tenor português Luís Gomes está entre os finalistas José Domingo
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A meio-soprano Samantha Hankey (EUA dr
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O barítono Sean Michael Plumb (EUA) José Domingo
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A meio-soprano Emily D’Angelo (Canadá/Itália) José Domingo

A 26.ª edição do prestigiado concurso internacional de canto lírico Operalia, a decorrer no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, desde o dia 2, chega este domingo ao fim com um concerto aberto ao público, que constitui também a prova final desta competição de alto nível criada e dirigida por Plácido Domingo em 1993.

O notável tenor (que actualmente canta como barítono) espanhol irá dirigir a Orquestra Sinfónica Portuguesa e os jovens finalistas a partir das 18h numa sucessão de árias de ópera e de zarzuela (as duas categorias a concurso) representativas do perfil vocal e das escolhas estéticas dos candidatos, abrangendo algumas das mais famosas páginas de compositores como Haendel, Rossini, Donizetti, Puccini, Gounod, Tchaikovsky, Rachmaninov e Saint-Säens. A final será transmitida pela RTP2 e desperta grandes expectativas até porque entre os cantores apurados se encontra o tenor português Luís Gomes.

As semifinais decorreram na passada quinta-feira, tendo sido qualificados 12 cantores na categoria de ópera: o tenor Migran Agadzhanyan (Rússia), a meio-soprano Rihab Chaieb (Canadá), o tenor Luís Gomes (Portugal), as meio-sopranos Emily D’Angelo (Canadá/Itália) e Samantha Hankey (EUA), o barítono Johannes Kammler (Alemanha), os tenores Long Long (China) e Pavel Petrov (Bielorússia), o barítono Sean Michael Plumb (EUA), o baixo-barítono Simon Shibambu (África do Sul), a meio-soprano Marina Viotti (Suíça/França) e o tenor Arseny Yakovlev (Rússia). Três destes intérpretes estarão também na final de zarzuela (Emily D’Angelo, Luís Gomes, Pavel Petrov) assim como a meio-soprano Josy Santos (Brasil) e a soprano Vanessa Vasquez (Colômbia/EUA). Neste conjunto estão em evidência as meio-sopranos e os tenores, sendo inédita a ausência de sopranos finalistas na categoria de ópera. O primeiro prémio, para a melhor voz feminina e masculina, é de 30 mil dólares, cerca de 25.700 euros. 

"Ter chegado à final é fantástico!"

Para Luís Gomes, com 31 anos, tem sido “uma alegria imensa e uma experiência inesquecível” estar nesta competição. “Não tinha expectativas nenhumas, vim com o objectivo de fazer o melhor que podia e de pôr em prática o que estudei durante largos meses. Ter chegado à final é fantástico!”, disse ao PÚBLICO. O teor português estudou no Montijo e em Lisboa (Conservatório e Escola Superior de Música) antes de ingressar na Guildhall School of Music and Drama e de ter integrado o prestigiado Jette Parker Young Artists Program da Royal Opera House de Londres.

O principal desafio do Operalia tem sido “gerir a pressão” e “tentar que o ambiente envolvente não interferira” na sua concentração e “no que pretende levar para o palco em termos interpretativos.” Em relação à preparação para o concurso, refere que convém “escolher árias que sejam desafiantes, que tenham as suas dificuldades e que fiquem bem na voz”, mas é preciso também ter em conta a questão da resistência. “Cantar duas árias enormes e do mesmo estilo dramático pode ser complicado.” Na final vai cantar a mesma ária que interpretou na semifinal acompanhado ao piano por Israel Gursky (Tombe degli avi miei da Lucia de Lammermoor de Donizetti), mas agora com a Sinfónica Portuguesa, dirigida por Plácido Domingo. Na categoria de zarzuela dará voz a La roca fría del calvario de La Dolorosa, de José Serrano.

Até agora a zarzuela não tinha sido uma área muito explorada por Luís Gomes, mas diz que é uma música que lhe “corre no sangue”. “Sou de uma zona do país [freguesia de Sarilhos Grandes, Montijo] em que as bandas filarmónicas e o pasodoble estão presentes constantemente. Habituei-me àquele feeling espanhol e quando era pequeno ouvia os pasodobles que o meu pai ouvia. Apercebo-me agora que muitos eram de zarzuelas. Gosto imenso desta música e poder transportá-la para o palco de ópera então é ainda melhor!”

Apesar de também gostar de fazer concertos e recitais, é na ópera que Luís Gomes se sente mais “confortável”. Assume-se como “grande fã do repertório italiano do Romantismo”, o fulcro da sua carreira, mas conta que também adora música russa e gostaria de um dia cantar o papel de Lensky do Evgueni Oneguine, de Tchaikovsky. Outra predilecção especial é Charles Gounod, de quem gostaria de fazer o Romeu (da ópera Romeu e Julieta) e entre os sonhos futuros está a interpretação do Duque do Rigoletto, de Verdi. “Ainda assim, considero-me um sortudo pois já tive a oportunidade de interpretar personagens que sempre me fascinaram como Alfredo, Rudolfo ou Nemorino.”

Na sua formação, destaca o papel decisivo do seu primeiro professor de canto (João Paulo Reya, que conheceu no Montijo), mas nos últimos anos foram muitos os encontros marcantes, especialmente na Royal Opera House. “Trabalhar com cantores como René Pape, Diana Damrau, Jonas Kauffman e muitos outros e ser dirigido por maestros como Antonio Pappano e Simon Rattle foi um privilégio fantástico, um sonho tornado realidade!”

Depois do Operalia, Luís Gomes, que continua a viver em Londres, não tenciona participar em mais concursos pois já está próximo do limite de idade habitual (32 anos) e, por outro lado, prefere solidificar a sua carreira no contexto profissional e não de competições. “O objectivo é abrir portas para fazer os papéis que mais desejo nas casas de ópera mais importantes.”

Estilo e beleza vocal únicos

Também a meio-soprano norte-americana Samantha Hankey, igualmente finalista do Operalia diz que este será o seu último concurso, apesar de ter apenas 26 anos. Detentora de vários prémios, diz que esta é a competição mais importante de todas e que está a ser “uma experiência maravilhosa”. Considera os concursos “muito úteis para os jovens cantores”, mas a partir de determinada altura há que partir para uma nova etapa. No Operalia, o maior desafio tem sido conseguir abstrair-se do peso da competição. “É preciso sair da nossa própria cabeça e ir para o palco partilhar a intenção do compositor e da música, a meta é honrar a própria música.”

Na prova final vai cantar uma ária de A Donzela de Orleães, de Tchaikovsky, um dos seus compositores preferidos. “Adoro cantar Tchaikovsky, pelas particularidades e qualidade da língua russa, assim como pela beleza da música e do seu colorido próprio, mas também gosto muito de Richard Strauss e do repertório germânico em geral.” Este último domínio é uma prioridade na sua carreira, tendo cantado a ária “Wie Du warst!” de O Cavaleiro da Rosa, de Richard Strauss na semi-final.

Apesar destas preferências, o repertório desta meio-soprano, natural do Massachusetts e intérprete precoce — fez a sua estreia aos seis anos numa produção local do musical Annie de Charles Stouse — é muito diversificado. Nesta temporada fará a sua estreia no Metropolitan como Pantalis no Mefistofele de Boito, seguindo-se várias participações noutras produções deste prestigiado palco operático de Nova Iorque (nomeadamente como parte dos elencos de Adriana Lecouvreur de Cilea, O Ouro do Reno e O Crepúsculo dos Deuses de Wagner e Rigoletto, de Verdi). Tem-se dedicado também à música contemporânea, com destaque para a colaboração com o compositor David Hertzberg, que escreveu o papel titular da ópera The Rose Elf, para ela.

Admiradora de cantoras como Jessie Norman, Tatiana Troyanos e Renée Fleming, Samantha Hankey não esconde o seu fascínio por Plácido Domingo e não esquece a primeira vez que o ouviu cantar ao vivo. “Foi em Nova Iorque, em 2011. Quando ele chegou ao palco foi o êxtase, não é comparável a outro cantor em estilo e beleza vocal.”

Professores cuidadosos

Tal como os seus colegas, o barítono norte-americano Sean Michael Plumb, de 26 anos, diz que “o mais difícil" no Operalia é “controlar a ansiedade” de modo a dar-se o máximo em termos vocais e interpretativos. Refere que a última semana tem sido inesquecível, não só pela experiência do concurso e pelo privilégio de trabalhar com Plácido Domingo, que tem dado conselhos aos participantes em sessões de trabalho entre as provas, mas por poder conhecer Lisboa. “É um concurso especial pelo seu alto nível e também porque o maestro Domingo é uma personalidade muito importante na ópera”, disse ao PÚBLICO. “Tal faz com que os responsáveis pelos principais teatros a nível mundial estejam muito atentos.” Por essa razão, enquanto se preparava para o concurso, Sean Michael Plumb, que tem já uma carreira de relevo que inclui uma colaboração estreita com a Ópera Estatal da Baviera, seleccionou árias de papéis que acha que poderá vir a fazer num futuro próximo e nos quais se sente confortável.

Na semifinal cantou a ária de Robert da ópera Iolanta de Tchaikovsky e na final vai interpretar a famosa "Largo al factotum" do Barbeiro de Sevilha de Rossini. “Gosto de diversos estilos e é importante mostrar versatilidade. Ultimamente, por causa da minha idade, um dos papéis para o qual tenho sido mais solicitado é o Papageno de A Flauta Mágica, mas num futuro próximo pretendo adicionar à minha carreira personagens como o Fígaro e o Marcelo de La Bohème de Puccini.” Mostra também entusiasmo pela música contemporânea, salientado a estreia de uma obra do compositor alemão Arnulf Hermann, com a Filarmónica de Los Angeles, em Novembro. “É importante ampliar o repertório, a ópera está viva e em transformação apesar de grande parte das programações serem canónicas.” Nesta perspectiva destaca a jovem compositora americana Rene Orth. “Ela faz música incrível, já escreveu algumas óperas e tem um conhecimento profundo da escrita vocal, ao mesmo tempo que faz propostas inovadoras. As suas linhas vocais são incrivelmente belas, adoro cantar a sua música!”

Sean Michael Plumb começou a cantar aos 9 anos e diz que sempre teve muita sorte com os professores pois sempre foram cuidadosos. “Avançar depressa demais pode ser fatal para um cantor.” Salienta os mestres que teve no Curtis Institute de Filadélfia (Mikael Eliasen e William Stone) e a oportunidade que teve de estudar Lied e canção americana com o “notável” Thomas Hampson. Piero Cappuccilli e Robert Merrill são os seus ídolos na história do canto, assim como Dmitri Hvorostovsky em relação à época mais recente. “Hvorostovsky foi uma figura chave no meu treino auditivo, a sua voz e a maneira especial como cantava eram para mim o padrão de excelência das últimas décadas.”

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