Vizinhos da Venezuela apertam fronteiras aos que fogem da miséria

"Não têm ideia como é. Há famílias inteiras a comer do lixo", queixam-se os que tentam fugir e se vêem retidos nas fronteiras do Equador ou Peru. Colômbia acusa Caracas de "política de expulsão" deliberada e critica outros países.

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Imigrantes venezuelanos levam a bagagem na ponte internacional Rumichaca, no Equador,Imigrantes venezuelanos levam a bagagem na ponte internacional Rumichaca, no Equador Luisa Gonzalez/REUTERS,Luisa Gonzalez/REUTERS
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Na fronteira em Rumichaca, as filas já se formam LUISA GONZALEZ/Reuters
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A crise humanitária na Venezuela, que segundo a ONU já levou 2,3 milhões de pessoas a fugir do país, está a levar o Equador, o Peru, o Brasil e a Colômbia a digladiarem-se com as consequências do êxodo. Este fim-de-semana, o Brasil foi palco de ataques a campos de "migrantes", como são ali referidos os que fogem da miséria no seu país. 

A crise económica na Venezuela deverá agravar-se ainda mais com a criação de uma única taxa de câmbio do bolívar, indexada à petro (a criptomoeda venezuelana), a partir de segunda-feira. As consequências práticas dessa medida são uma desvalorização imediata de 96%, e os especialistas dizem que a galopante hiperinflação vai agravar-se ainda mais.

O Presidente Nicolás Maduro anunciou ao mesmo tempo um aumento de 3000% do salário mínimo — apesar de o valor impressionar, a verdade é que não é suficiente para garantir sequer uma alimentação suficiente. O preço da gasolina, que é altamente subsidiado, vai também subir. 

Rolo de papel higiénico: 2.600.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um quilo de farinha de milho: 2.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um quilo de cenouras: 3.000.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um pacote de fraldas: 8.000.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um quilo de carne: 9.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um pacote de pensos higiénicos: 3.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um pacote de 500 gramas de margarina: 3.000.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um quilo de tomate: 5.000.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um quilo de arroz: 2.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um quilo de queijo: 7.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Um quilo de esparguete: 2.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
Uma galinha de 2,4 quilos: 14.600.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Rolo de papel higiénico: 2.600.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS

A economia venezuelana, dependente de exportações de petróleo e praticamente sem capacidade produtiva industrial, está em colapso. E os milhões de pessoas em fuga levaram o Equador e o Peru a anunciar esta semana que vão apertar as regras de entrada de venezuelanos no país.

O Equador é sobretudo um ponto de passagem para o Peru e dali para o Chile, mas já registou a entrada de 600 mil venezuelanos este ano, com 109 mil deles a permaneceram no país, disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros, citado pela Reuters. Agora, Quito passou a exigir passaportes e não apenas cartões de identidade para passar a fronteira. O Peru fez o mesmo, e vai também começar a pedir o passaporte já a partir de sexta-feira.

Críticas da Colômbia

A Colômbia tem sido destino para muitos dos que tentam escapar à recessão — as Nações Unidas indicam que só ali estarão cerca de 800 mil venezuelanos. Localizada entre a Venezuela, o Equador e o Peru, a Colômbia criticou a atitude dos seus vizinhos. De acordo com a AFP, pelo menos 20% dos que tentam entrar no Peru não têm passaporte.

"Se começarem a acumular-se durante alguns dias, vamos ver um enorme número de pessoas" retidas do lado colombiano da fronteira, avisa o responsável para as migrações da Colômbia, Christian Kruger, citado pela AFP.

Como descreve a BBC, muitas pessoas estão a caminhar há semanas, pedindo boleia e viajando como podem até à fronteira. Agora, à chegada, as novas regras que lhes exigem passaporte deixam-nos perdidos. "Não têm ideia como é [na Venezuela]. Há famílias inteiras a comer do lixo", disse um mecânico de 50 anos, Gabriel Malavolta, que tentava atravessar a fronteira para o Equador.

"Exigir passaporte não vai parar a migração, porque estas pessoas não estão a deixar o seu país por prazer mas por necessidade. Vai é aumentar a migração sem documentos, o que acarreta muitos problemas", lamentou Kruger. "Estamos a falar de cerca de três mil pessoas por dia, só venezuelanos" a entrar no Equador pela cidade fronteiriça de Rumichaca, estimou Kruger, que só desde o início do ano já viu 423 mil pessoas a atravessar a região.

A crise venezuelana, agravada por quatro anos de recessão e pela inflexibilidade do regime de Nicolás Maduro, fez com que entre 23% e 80% dos venezuelanos vivam na pobreza, segundo estimativas, respectivamente, do Governo de Caracas (mais conservadoras) e vários estudos independentes.

Ataque em Roraima

A rejeição dos venezuelanos em fuga teve um ponto alto no sábado, no Brasil, no estado de Roraima, já junto da fronteira com a Guiana: um campo de deslocados venezuelanos na cidade de Pacaraima foi atacado no sábado e os seus ocupantes foram expulsos de volta para a Venezuela. O ataque deu-se na sequência do que terá sido um alegado caso de violência entre migrantes e o proprietário de um restaurante brasileiro. 

O incidente levou uma multidão de brasileiros a expulsar os venezuelanos de vários campos e a incendiar os seus bens. Do outro lado da fronteira, carros brasileiros terão sido incendiados, relata a imprensa. As autoridades avisam que segunda-feira vão mobilizar tropas para a fronteira na sequência do que consideram ser o aumento de violência na zona.

Em vésperas das eleições de Maio, os activistas Rafael Uzcátegui e Tamara Taraciuk  Broner denunciaram que as autoridades estavam a usar a fome como "mecanismo de controlo social e político". A reeleição de Maduro provocou uma quebra nas relações diplomáticas dos países vizinhos com a Venezuela. Neste cenário, Kruger acusou Maduro de estar a levar a cabo uma "política de expulsão" para reduzir a população e assim "melhorar a distribuição dos recursos".

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