Associação de Rui Moreira diz que ZEP da Arrábida permite construções nos terrenos da Selminho

Se edificação no terreno passar a ser permitida por alterações no PDM, a mesma não deve ultrapassar os 50 metros, diz DRCN

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As construções junto à Ponte da Arrábida têm levantado muitas dúvidas e polémica Paulo Pimenta

A associação "Porto, O Nosso Movimento", do independente Rui Moreira, defendeu esta quinta-feira que a Zona Especial de Protecção (ZEP) da Ponte da Arrábida "não impede" a edificação nos terrenos da Selminho, antes "diz que se pode construir com regras".

A informação foi transmitida à Lusa por Nuno Santos, da direcção da associação, em resposta a questões sobre a proposta de ZEP, no âmbito da qual a câmara liderada por Rui Moreira propôs que fosse considerado como "área urbana" o terreno da Selminho, uma imobiliária do presidente do município e da família, contra a qual a autarquia reclama em tribunal, desde Junho de 2017, a titularidade de duas parcelas de terreno. "Sobre os terrenos da Selminho, a câmara tem mantido uma posição muito coerente: a de que a alteração da qualificação do solo [de zona verde para área edificável] deve ser resolvida em sede de revisão do Plano Director Municipal (PDM), em curso", afirmou o dirigente. "A constituição de uma ZEP em nada altera isso" e "não condiciona a capacidade construtiva" no local dos terrenos da Selminho, frisou.

Os "elementos relevantes" da discussão pública da ZEP referem, sobre os terrenos Selminho, a "condição" de futuras construções não ultrapassarem "cota altimétrica" de 50 metros, se a revisão do PDM, em curso, concluir pela "alteração do uso do solo" para "permitir a edificabilidade" naquele local.

Questionado sobre esta "condição", Nuno Santos defendeu que a cota altimétrica é, neste caso, "a regra que a direcção de património está a pretender impor para dar parecer positivo" à construção. Para o membro da direcção da associação, "a ZEP não diz que não se deve poder construir nos terrenos da Arcada [obra em curso na base da escarpa] ou da Selminho". "Diz que se pode construir com regras", notou.

A ZEP da Ponte da Arrábida estava prevista no despacho de classificação da travessia como Monumento Nacional, de 2013, mas apenas em Março/Abril de 2017 a sua definição foi retomada.

Documentos a que a Lusa teve acesso revelam que a definição da ZEP foi retomada no fim de Abril de 2018 por iniciativa da Câmara do Porto, com a proposta de "criação de uma nova 'área urbana 3'" nos terrenos da Selminho".

Relativamente às críticas à construção em curso na base da escarpa, a jusante da ponte, pela empresa Arcada, o dirigente vincou que a própria DRCN admite que "qualquer restrição da ZEP não revoga direitos adquiridos". "Os direitos adquiridos neste terreno têm origem no início do século e foram sendo revalidados em vários mandatos autárquicos. Existem Pedidos de Informação Prévia (PIP) aprovados no tempo de Rui Rio [actual presidente do PSD e presidente da Câmara do Porto entre 2002 e 2013]", destacou Nuno Santos.

O dirigente explica que, no tempo do ex-autarca, a proposta de construção para os terrenos da base da escarpa "era um contínuo urbano", ou seja, apenas um edifício, semelhante ao existente mais a jusante. "Já no primeiro mandato de Rui Moreira, tendo um vereador do Urbanismo do PS, Manuel Correia Fernandes, implementou-se, através de um PIP, uma solução diferente", lembrou.

Para o movimento, "parece ser com essa altura" viabilizada no PIP de Correia Fernandes "que a DRCN não concorda". "É a posição da DRCN, em oposição à de Correia Fernandes. Respeitamos ambas", disse Nuno Santos.

Nos "elementos relevantes" da ZEP, a DRCN critica "a cércea de 16 pisos do edifício poente" junto à marginal, numa elevação de "quase o dobro da altura dos prédios" em volta. "Teria sido preferível manter uma linha de estabilidade horizontal na disposição das massas", diz a DRCN.

A Lusa noticiou em Outubro que a Selminho reivindica em tribunal o direito de propriedade do terreno da Arrábida "por usucapião", mesmo que fique provado que o terreno é da Câmara do Porto. Na acção judicial interposta pela Câmara do Porto, em Junho de 2017, é pedida a declaração de nulidade da posse do terreno na Calçada da Arrábida pela Selminho.

De acordo com o processo, os advogados da imobiliária alegam que, "no limite", a empresa "adquiriu o direito de propriedade" sobre os 2260 metros quadrados de terreno "por força da usucapião, com efeitos reportados à data de Julho de 2001".

Esta acção da Câmara do Porto contra a Selminho e contra o casal que vendeu o terreno à imobiliária em 2001, dois meses depois de o ter registado em Montalegre, surge depois de o jornal Público revelar, em Maio, que um técnico superior da autarquia concluiu ser municipal uma parcela de terreno que integra a área apresentada para construção.

Questionada pela Lusa sobre o processo de instituição da ZEP da Ponta de Arrábida, a vereadora da CDU na Câmara do Porto, Ilda Figueiredo, defendeu que haja uma investigação a eventuais irregularidades. "Tendo em conta todas as dúvidas que persistem, designadamente sobre o atraso no processo, que ficou entre 2013 e 2017 sem qualquer evolução, é da maior importância que o Governo e a Câmara do Porto agrupem todos os documentos e os disponibilizem, para que sejam encaminhados às entidades competentes por eventuais irregularidades detectadas", disse.

A vereadora lembra ainda as dúvidas existentes sobre "a titularidade dos terrenos" expropriados para a construção da ponte e para o plano de urbanização do Campo Alegre, numa resposta que deixou os comunistas com dúvidas que levaram a apresentar novas questões na Assembleia da República.

Já Pedro Lourenço, deputado municipal do Bloco de Esquerda acusou a câmara de estar "a fazer tudo" para permitir construir nos terrenos da Selminho, "num momento em que o município reivindica" a posse dos terrenos em tribunal.

Em declarações à Lusa, o deputado bloquista defende que Rui Moreira "não pode senão vir a público explicar a intenção em salvaguardar a edificação da Selminho no documento da ZEP". "Face à gravidade do teor dos documentos agora divulgados, entendemos que o presidente da câmara não pode permanecer em silêncio sobre este assunto, sob pena de permanecer uma insuportável suspeita de cumplicidade em todo este processo e uma falta de transparência inaceitável", diz o deputado.

Gaia só com dois pisos

A ZEP da Ponte da Arrábida limita as novas edificações de Gaia à "cércea máxima" de dois pisos e as do Porto à "cota altimétrica" existente, numa zona onde estão em construção 16 pisos.

A informação consta do despacho da directora-geral do Património Cultural, de 27 de Julho, relativo às "áreas urbanas" dos dois concelhos, e altera, no caso do Porto, a proposta de Dezembro de 2017 de ZEP feita pela Direcção-Regional de Cultura do Norte (DRCN), modificada este ano por sugestão da autarquia portuense, dando origem a "restrições" distintas neste concelho.

Para a zona urbana 1 do Porto (a jusante da ponte, no topo da escarpa), onde está em construção um prédio de seis pisos, o documento de 2017 admitia uma "cércea máxima de dois pisos, ao passo que para a zona urbana 2 (na base da escarpa) está previsto um imóvel de 16 andares, "quase o dobro da altura dos prédios" existentes no local há um ano, referem os "elementos relevantes" da consulta pública da ZEP da travessia, classificada como Monumento Nacional desde 2013.

Relativamente ao topo da escarpa, onde está em curso uma empreitada da Imolimit, a proposta da DRCN de 2017 limitava ainda novas construções a uma "altura máxima da edificação de seis metros e uma impermeabilização nunca superior a 70% do prédio".

Na zona urbana 2 do Porto pretendia-se, segundo a informação da DRCN de 7 de Dezembro de 2017, que não chegou a ser submetida a parecer do Conselho Nacional da Cultura, travar "o aumento da altura das edificações existentes", cuja cota altimétrica máxima (medida a partir do nível do mar) não podia "ser ultrapassada por novas construções".

Emitidos pela Câmara do Porto no fim de 2017, os alvarás das duas obras são posteriores aos contactos feitos entre Março e Abril do mesmo ano com a DRCN para uma nova delimitação da ZEP. O processo ficou parado porque um pedido de reunião da autarquia, do fim de Abril de 2017, não foi recebido pela DRCN.

Entretanto, no fim do ano, o município deu luz verde às duas construções a jusante da Ponte, que a proposta final de ZEP "admite" por considerar que "qualquer outra solução significa ignorar a realidade, isto é, criar um divórcio entre a ZEP e as obras licenciadas, ou iniciar um litígio". O documento justifica que as empreitadas "têm alvará de construção e constituem, salvo melhor opinião, direitos adquiridos".

Os "elementos relevantes" explicam que a definição da ZEP foi retomada no fim de Abril de 2018 por iniciativa da Câmara do Porto, com a proposta de "criação de uma nova 'área urbana 3'" nos terrenos da Selminho, "actualmente inseridos em área verde no PDM e na anterior proposta de ZEP".

Sobre esta área urbana, a DRCN defendeu ser "preferível aguardar [...] e, caso se verifique realmente uma alteração do uso do solo em sede de revisão do PDM, será sempre possível suscitar também uma alteração pontual dos conteúdos da ZEP".

A proposta final da directora-geral do Património, Paula Silva, sobre a "área urbana" do Porto é não admitir "o aumento da altura das edificações existentes" e impor que a altura máxima de novas edificações não exceda "a cota altimétrica máxima das existentes".

O edifício de apoio à obra da ponte da Arrábida, na rRua do Ouro, n.º 797, actualmente ocupado por um restaurante, "deve ser preservado".

Relativamente a Gaia, a proposta agora em debate público mantém o conteúdo da de Dezembro de 2017 e incluída na ZEP desde o fim de 2013.

Na área urbana "não é admitido o aumento da altura das edificações existentes" e "a cércea máxima de novas edificações não pode exceder os dois pisos".

Em Gaia, para além das áreas urbanas, verdes e de equipamento, é considerada a arqueológica, na qual a DGPC pretende as movimentações de terras sejam "obrigatoriamente objecto de acompanhamento".

Para além disso, "as operações urbanísticas, obras ou quaisquer intervenções" na zona "devem garantir a salvaguarda dos valores arqueológicos identificados", ficando impedido "o aumento da área de implantação das edificações existentes".

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