Prevenção da corrupção, florestas, secretas e pré-escolar continuam por regulamentar

São alguns exemplos das 90 leis que não podem ser completamente aplicadas por falta da regulamentação que é competência do Governo. 2015 e 2017 são os anos com mais processos legislativos pendentes.

Foto
O atraso na regulamentação de leis aprovadas na AR é um problema crónico que sucessivos governos não têm conseguido resolver Rui Gaudêncio

O que têm em comum a nova lei do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, a dos baldios, a da paridade nas empresas cotadas, a da prospecção de petróleo, a de combate ao branqueamento de capitais, mas também a lei orgânica dos serviços secretos, a lei de bases dos cuidados paliativos ou a lei que estabelece a universalidade do acesso ao pré-escolar aos quatro anos? Todas estão por acabar de regulamentar, o que significa que no seu todo ou pelo menos em parte não estão a ser aplicadas.

Isso acontece com estes diplomas e com mais algumas dezenas, num total de cerca de 90 leis que entraram em vigor entre 2003 e Agosto de 2017, de acordo com a contabilização que o PÚBLICO fez a partir dos relatórios de acompanhamento da regulamentação das leis compilados pelos serviços de documentação da Assembleia da República. Ou seja, estes diplomas têm em falta normas e regras que já deveriam ter sido definidas pelos ministérios da tutela – como a Saúde, Educação ou Finanças – mas que continuam sem resposta.

Para o último relatório, que foi disponibilizado já este mês, os serviços do Parlamento deixaram de fazer o acompanhamento da regulamentação em Dezembro passado. Mas desde então o Governo fez publicar diversas portarias e decretos regulamentares, pelo que as contas do PÚBLICO indicam que existem 89 leis “coxas”, que ou não estão regulamentadas (57) ou estão-no apenas parcialmente (32). E no primeiro caso, existem 17 leis cujo prazo de regulamentação foi ultrapassado há muito tempo. Outras 40 por regulamentar não tinham qualquer prazo definido. E nas que estão parcialmente regulamentadas houve diversas derrapagens dos governos no cumprimento das suas obrigações.

Estão nestas condições diplomas sobre a reforma da floresta aprovados há um ano, como a lei dos baldios (em especial a criação da plataforma electrónica para o registo de todos os baldios do país), mas também o Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, onde falta regulamentar os equipamentos florestais de recreio, os casos de redução excepcional das faixas de combustível, um plano oficial para a criação de equipas de sapadores florestais, e a criação de um corpo de guardas florestais autonomizado da GNR como o que existia até ser extinto por António Costa, em 2006.

Secretas esperam metadados há um ano

Para os serviços secretos, as dificuldades vêm de dois lados. O mais recente é a lei de acesso a dados de telecomunicações e Internet aprovada há um ano. Continua à espera que António Costa e os membros do Governo responsáveis pelas áreas das comunicações e da cibersegurança definam as condições técnicas e de segurança do acesso a esses dados — não ao conteúdo das chamadas ou mensagens mas apenas à informação sobre quem, quando, por quanto tempo e quantas vezes contactou com quem.

No relatório relativo a 2017 tornado público anteontem, o Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações apontava mesmo a necessidade do acesso aos metadados como um factor importante para uma maior eficiência dos serviços e para “acautelar alguma reciprocidade na cooperação internacional” com outros serviços do género. Em Março, no Parlamento, o CDS defendeu um projecto de resolução em que recomendava ao Governo a regulamentação urgente da lei, mas que a esquerda acabou por chumbar.

O lado mais antigo é a lei orgânica do secretário-geral do SIRP, que continua com uma série de questões remuneratórias por regulamentar desde 2007. Com falhas está também a orgânica da PJ.

Na área do combate à corrupção, falta regular parte da estrutura do Conselho de Prevenção (2008) e as leis do ano passado sobre branqueamento de capitais, em que é preciso regulamentar a comunicação sistemática das operações (forma, prazo e conteúdo) ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira, a comprovação da identificação e tipo de dados que é possível guardar sobre esses clientes bancários – e cujos prazos para o fazer terminaram em Novembro.

Do naturismo ao assédio no trabalho

Entre as outras leis por regulamentar encontram-se as mais variadas temáticas. A mais antiga é a lei sobre o associativismo popular, que deveria ter sido regulamentada logo em 2003; mas há também o estatuto do bolseiro de investigação – que continuam à espera que seja regulado o seu acesso a cuidados de saúde; a lei de bases da protecção civil (2006), que espera definições sobre a formação – mas que deverá ser substituída dentro de poucos meses; e alguns direitos das associações de pais (2006).

Com o anúncio da construção do primeiro banco de provas de armas de fogo em Viana do Castelo, o Governo terá mesmo que regulamentar a lei de 2006. Do mesmo ano continua “pendurada” a lei que estabelece medidas de protecção da orla costeira. E de 2009 está o Código da Execução das Penas na parte relativa ao ensino e ao trabalho desenvolvido pelos presos (porque não há dinheiro para lhes pagar por essas actividades). Nas mesmas condições encontra-se a lei do naturismo, de que o governo de José Sócrates falhou o prazo de regulamentação em 2011; e a calendarização da monitorização e da retirada do amianto dos edifícios públicos está por fazer desde o mesmo ano.

O executivo de Passos Coelho deixou por regular, por exemplo, o financiamento e o fundo de compensação dos serviços postais em situação de concorrência, parte da lei de bases dos cuidados paliativos (financiamentos de cada serviço, os modelos de gestão da qualidade e de contratação dos serviços ao SNS e aos sectores social e privado), as taxas da Autoridade Aeronáutica Nacional, a regulamentação dos centros de armazenagem de sémen de bovinos, a prestação de informação financeira pelas autarquias que recorrem ao Fundo de Apoio Municipal, a universalidade do pré-escolar aos quatro anos (ainda nem sequer aos três anos existe), e o regime dos guardas-nocturnos (que o actual executivo quer alterar).

Depois de criar o plano nacional de prevenção e controle de doenças transmitidas por vectores (como a febre de dengue, leishmaniose e malária), o actual Governo do PS deixou passar o prazo para o regular (Maio de 2016) e ele não saiu do papel. Tal como furou o calendário no regime de apoio à agricultura familiar nos Açores e na Madeira (Março de 2017), o da criação da comissão técnica de acompanhamento das operações de prospecção de petróleo (Agosto) e o da prevenção do assédio no trabalho (Setembro).

Sugerir correcção
Ler 3 comentários