Lazer para todos

Salvo honrosas exceções, muitas das atividades durante as férias que as comunidades oferecem, em serviços públicos ou privados, não são inclusivas a crianças com necessidades especiais.

Chegou a época tão ansiosamente esperada por todos! Uma época dedicada, para a maioria dos portugueses, ao lazer proporcionado pelas férias. Mas será que todos podemos desfrutar descontraidamente das férias? Já iremos a esta questão. Falemos antes de lazer enquanto conceito. Naturalmente cada um de nós terá uma ideia diferente de lazer, mas uma questão será consensual. Lazer é o que fazemos no nosso tempo livre de obrigações profissionais, académicas ou domésticas.

Podemos dizer que o lazer tem três funções: descanso, recreação e desenvolvimento pessoal (social, físico, intelectual e emocional). É essencial para o nosso equilíbrio e um veículo para o bem-estar em complemento com as restantes ocupações.

O conceito de lazer e de tempo livre surgiu com a Revolução Industrial, altura em que o tempo de trabalho passou a ser mais reduzido, em particular para os operários fabris. Até então, numa sociedade que era maioritariamente rural, o tempo de trabalho era definido pela luz solar e pelas estações do ano. Com esta mudança na sociedade, os trabalhadores passaram a ter tempo livre que poderiam utilizar para lazer.

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Todos temos boas recordações das nossas férias de infância, dos amigos que fizemos, das aventuras que vivemos e dos momentos em família Rui Gaudêncio

Foi nesta altura que surgiram, na Suíça, as primeiras colónias de férias para crianças. Em 1876, o padre Herman Bion, confrontado com a pobreza extrema e os problemas de saúde das crianças de bairros pobres de Zurique, decidiu proporcionar-lhes experiências de bem-estar e enriquecedoras em campos de férias, longe dos locais disfuncionais e que os deixavam doentes. Desta forma, descobriu que com estas oportunidades poderia proporcionar-lhes experiências de desenvolvimento integral e melhorias ao nível da saúde. Estas experiências na Suíça rapidamente se espalharam pelo mundo ocidental como veículo de desenvolvimento social e ainda hoje são utilizadas.

As férias de Verão das crianças chegam a durar três meses. Esta época é plena de oportunidades de desenvolvimento de competências pessoais como a autonomia e a resiliência. Todos temos boas recordações das nossas férias de infância, dos amigos que fizemos, das aventuras que vivemos e dos momentos em família. Mas esse período tão longo coloca o grande desafio aos pais de garantir atividades enriquecedoras aos seus filhos.

No entanto, nem todas as crianças têm estas oportunidades. Salvo honrosas exceções, muitas das atividades que as comunidades oferecem, em serviços públicos ou privados, não são inclusivas a crianças com necessidades especiais. Esta situação faz com que crianças, que atualmente estão incluídas nas suas comunidades educativas e desenvolvem o seu percurso escolar junto dos seus pares, com vantagens mútuas, no período de férias fiquem excluídas e restringidas ao contexto familiar. Assim, este período de lazer que poderia ser uma oportunidade de desenvolvimento de competências para estas crianças, muitas vezes é tempo de inatividade. Para evitar essa situação e até pela necessidade de acompanhar as crianças nos dias de interrupção escolar, muitas vezes um dos seus cuidadores deixa de trabalhar com impacto na vida pessoal, na economia familiar e até na sociedade.

Voltemos então ao lazer como oportunidade de desenvolvimento pessoal. Este conceito remonta à Antiguidade Clássica. Nessa altura, o lazer era um privilégio reservado aos filósofos que, desprendidos de outras tarefas, podiam dedicar o seu tempo à contemplação, reflexão e sabedoria. Fica aqui o desafio de fazermos do nosso tempo de lazer um momento para refletir sobre como podemos proporcionar oportunidades de lazer e desenvolvimento pessoal a todas as crianças sem exceção. Desafio as autarquias e sociedade civil a ajustarem as suas ofertas de tempos livres para que sejam acessíveis. Na certeza de que proporcionar a convivência entre todos, com ou sem necessidades especiais, é sensibilizar a comunidade para a igualdade de direitos e oportunidades e, assim, construir uma sociedade mais justa. Desafio também as famílias e organizações de e para pessoas com necessidades especiais a ajudarem as suas comunidades a tornarem-se mais inclusivas, numa missão que é de todos.

Terapeuta ocupacional no CADIn — Neurodesenvolvimento e Inclusão

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