Em defesa do humanismo

Aderir ao discurso demagógico e xenófobo de exclusão do diferente, do estrangeiro, não só não é realista, como não respeita a história

O Estado português marcou pontos esta semana no plano do reconhecimento dos direitos humanos, da tolerância democrática e da defesa do humanismo. Não só, em Washington, o Presidente da República foi claro na demarcação das políticas isolacionistas e anti-imigração do Presidente dos Estados Unidos, como, em Bruxelas, o primeiro-ministro teve uma atitude idêntica firme sobre a da União Europeia à crise dos refugiados. Isto depois de o ministro da Administração Interna ter anunciado que Portugal vai receber refugiados. Tudo dias após terem sido promulgadas por Marcelo Rebelo de Sousa as alterações à lei que facilitam a naturalização e a atribuição de nacionalidade portuguesa a estrangeiros a residir em Portugal.

Perante Donald Trump, o Presidente vincou as divergências em relação à política de imigração que restringe a entrada de pessoas nos Estados Unidos, afirmou a disponibilidade de Portugal para acolher imigrantes e fez questão em o sublinhar aos jornalistas, chegando ao ponto de lembrar que a comunidade portuguesa imigrada naquele país é de 1,4 milhões de pessoas.

Não terá sido, aliás, por coincidência que dias antes de partir para Washington o Presidente da República promulgou a nova lei da nacionalidade em que diminuem os prazos de residência em Portugal necessários para que os filhos de estrangeiros recebam a nacionalidade portuguesa, bem como reconhece o direito a esta aos pais de filhos nascidos em Portugal. Alterações propostas pelo Governo que têm como objectivo claro responder às necessidades das comunidades imigrantes.

A tolerância democrática e o reconhecimento dos direitos humanos estiveram presentes também na defesa feita por António Costa no Conselho Europeu sobre Migrações da responsabilidade da União Europeia em acolher e integrar refugiados. Uma posição que foi antecipada pelo anúncio de que Portugal acolherá cerca de 30 dos 239 refugiados a bordo do navio da organização não-governamental alemã Mission Lifeline, preparando-se para acolher outros 1010 vindos do Egipto e da Turquia, como afirmou afirmou ao PÚBLICO o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.

Este conjunto de decisões e tomadas de posição surge como um sinal importante quando a União Europeia debate as políticas de migração e o acolhimento de refugiados com notórias divisões.

Mas esta atitude portuguesa entronca também no que o primeiro-ministro, António Costa, tem dito e deixou claro no congresso do PS sobre a necessidade de Portugal receber e dar condições aos imigrantes como forma de combater o défice demográfico.

O assunto não é novo. Portugal é um país de migrações e sempre o foi. Tem mais de dois milhões de emigrantes no mundo, um número que pode chegar aos cinco milhões se forem contabilizados os luso-descendentes. E tem uma significativa comunidade de estrangeiros imigrados em Portugal. E, nisso, Portugal não é diferente dos outros países europeus, nem sequer de outras regiões do mundo. A história do mundo é uma história de migrações e querer fechar fronteiras é uma tentativa falhada de a contrariar. Ainda para mais, numa época em que a Europa envelhece e vive em défice demográfico.

É certo que a pressão migratória sobre a Europa atinge hoje uma dimensão imensa e que não há espaço para acolher todos mantendo o equilíbrio económico, social e político dos países europeus. É também verdade que a necessidade das populações de países pobres de partirem das suas terras pode ser contrariada com políticas de apoio ao desenvolvimento desses países. Mas aderir ao discurso demagógico e xenófobo de exclusão do diferente, do estrangeiro, não só não é realista como não respeita a história. Nem faz justiça à tradição do espírito humanista europeu, nem à tolerância democrática, nem a sistemas políticos que se dizem defensores dos direitos humanos. Daí que sejam de elogiar as atitudes e o discurso do Presidente da República e do primeiro-ministro.

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