O preço dos dados grátis

O que é que as operadoras móveis ganham ao oferecer pacotes com uso de dados móveis grátis em certas aplicações?

Muitos de nós já ouvimos falar em pacotes de Internet móvel com dados “ilimitados” para certas aplicações. Este tipo de prática é chamado de zero-rating, visto que o preço implícito de usar estas aplicações é, assim, zero. Desde o primeiro dia de qualquer curso de economia aprendemos que “não há almoços grátis”, isto é, tudo tem um preço (monetário ou não). Assim sendo, levanta-se a questão: o que é que as operadoras móveis ganham ao oferecer pacotes com uso de dados móveis grátis em certas aplicações?

Uma possibilidade é a existência de pagamentos entre os criadores de conteúdo (CCs) e as operadoras. A motivação para tal é bastante intuitiva. O modelo de negócio dos CCs é baseado no tráfego que as suas aplicações geram, quanto mais forem utilizadas, mais receitas são geradas para os seus criadores. Assim sendo, é do interesse dos CCs que as operadoras ofereçam as suas aplicações sem limites de tráfego, de modo a que o seu uso aumente e daí advenham mais receitas. Este aumento de receitas pode levar os CCs a pagarem às operadoras para que as suas aplicações sejam disponibilizadas gratuitamente. Ainda que esta teoria se apresente como uma resposta válida e lógica ao problema, a Comissão Europeia não encontrou evidências da existência deste tipo de contratos, pelo que é necessário procurar outra resposta.

Outra possibilidade é as operadoras usarem este tipo de prática para melhor distinguirem entre vários tipos de consumidores. Nem todos temos as mesmas preferências. Não usamos as mesmas aplicações, não recorremos a elas com a mesma intensidade, e estamos dispostos a pagar preços diferentes para garantir o acesso a internet móvel. Para responder a tal, as empresas procuram estratégias que lhes permitam diferenciar os consumidores e cobrar um preço mais próximo do que cada um está disposto a pagar. Neste caso concreto, oferecer pacotes com algumas aplicações gratuitas pode ser visto como definição dessa mesma estratégia, procurando identificar os vários tipos de utilizadores e ajustar os preços a cada um deles, resultando num aumento de lucros para as operadoras. Há, então, um incentivo para que as operadoras disponibilizem este tipo de ofertas, sem implicar contratos com terceiros.

Uma outra possível explicação para o zero-rating envolve efeitos de rede. Este conceito designa o benefício que um consumidor obtém em consequência da utilização da mesma aplicação por parte de outros consumidores. Qualquer rede social é um bom exemplo de aplicações com efeitos de rede, pois quanto mais outras pessoas usarem redes sociais, mais benefício nós obtemos por pertencer às mesmas. Tal traduz-se, então, em incentivos para as operadoras oferecerem dados ilimitados para aplicações com esta característica, de modo a aumentar o seu uso e o subsequente benefício extra gerado, conduzindo, simultaneamente, a um aumento do preço que os consumidores estão dispostos a pagar pelo acesso à internet. Naturalmente, a consequência de tal é o aumento dos lucros das operadoras.

Apesar de as considerações feitas estarem focadas nos lucros das operadoras e o uso do zero-rating para o aumento dos mesmos, é necessário referir que isto não significa que os consumidores perdem. Na verdade, as duas últimas explicações apresentadas estão associadas ao aumento da eficiência do mercado, levando ao aumento do bem-estar social (que inclui, entre outros, o bem-estar dos consumidores). Qualquer uma destas explicações foi analisada de forma independente, no entanto, o mais provável é que a verdadeira explicação seja uma combinação dos efeitos descritos acima e, possivelmente, outros ainda não contemplados na literatura.

Porque estão os economistas preocupados com estas práticas? A resposta é simples: para que os consumidores tenham acesso à internet é necessário que as operadoras invistam em infraestruturas que o permitam, e a existência de lucros que os remunerem é uma condição necessária para que existam incentivos para o fazer. Por outro lado, este tipo de práticas pode violar as regras da neutralidade da internet, regras essas que visam garantir igual acesso a qualquer tipo de conteúdos na internet por parte do consumidor, isto é, as operadoras não podem cobrar diferentes preços nem providenciar diferentes velocidades de acesso a diferentes conteúdos. Há então a necessidade de encontrar um equilíbrio entre manter os incentivos para as operadoras investirem em infraestruturas e assegurar que as condições de acesso a conteúdos na internet se mantêm o mais homogéneas possíveis. Sendo este um tópico recente, é ainda difícil de apresentar qual a resposta correta. Dessa forma, o Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (BEREC) apresenta diretrizes que visam atingir o equilíbrio descrito acima, permitindo zero-rating quando este não limita de forma significante o acesso a outros conteúdos, nem desincentiva a entrada de novos CCs. Fica a cargo dos reguladores nacionais, o papel de avaliar cada caso e proibir praticas de zero-rating que violem as diretrizes mencionadas.

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