Concorrência extingue processo de compra da Media Capital

Depois da desistência da Altice, a Autoridade da Concorrência (AdC) extinguiu o processo de compra da Media Capital, estimando que o negócio poderia ter impacto negativo de mais de 100 milhões de euros para os consumidores.

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Autoridade da Concorrência diz que Altice teria incentivo e capacidade para pejudicar os seus concorrentes Rui Gaudencio

A Autoridade da Concorrência (AdC) declarou extinto o processo de compra da Media Capital pela Altice. A entidade reguladora anunciou esta terça-feira que a decisão foi tomada “face ao pedido de desistência, por parte da Meo, do procedimento relativo à notificação da operação de concentração”. A AdC refere ainda que se preparava para adoptar um projecto de decisão de proibição à compra da Media Capital e que foi "perante a iminente adopção" desta decisão, que a Altice apresentou o pedido de desistência.

Com o fim deste negócio que pretendia juntar num mesmo grupo a líder do mercado das telecomunicações e o canal líder de audiências – a TVI – ficam afastados, entre outros, os riscos de os consumidores verem as suas facturas de telecomunicações aumentar. Segundo a AdC, a operação “poderia significar um aumento de custos de 100 milhões de euros por ano para os concorrentes” da Meo/TVI, custos que acabariam por ter reflexo nos consumidores, “ao aumentar, por exemplo, o preço pago pelas famílias em pacotes de telecomunicações”.

Os valores identificados pela da AdC batem certo com aqueles que a Nos (que encomendou uma análise a uma consultora internacional) entregou à entidade reguladora enquanto contra-interessada no processo.

Na segunda-feira, a Altice Portugal, antecipando o chumbo da AdC à tentativa de compra da Media Capital, revelou em comunicado que deixou cair a operação e culpou os reguladores por não se terem pronunciado “em tempo útil” sobre o negócio, que foi anunciado a 14 de Julho de 2017. Sobre a AdC, em particular, a empresa de Alexandre Fonseca criticou “a completa falta de abertura para discutir soluções” e a “manifesta ausência de respostas”.

No entanto, no final de Maio, a empresa também já tinha expressado a sua falta de abertura para discutir outros remédios para fazer aprovar a operação, que não remédios comportamentais e difíceis de monitorizar, como descreveu a entidade reguladora. Seriam necessários "compromissos de natureza estrutural (designadamente, ao nível da produção de conteúdos, de canais ou da TDT) que permitissem ultrapassar os problemas identificados", exemplificou a AdC nesta terça-feira, acrescentando que "a Altice nunca mostrou disponibilidade" para oferecer este tipo de soluções.

A AdC recorda que a operação lhe foi notificada a 11 de Agosto de 2017 e que informou a Altice, a 15 de Fevereiro de 2018, que ia passar a análise do negócio à fase de investigação aprofundada por ter identificado “impactos negativos da transação nas condições de concorrência nos mercados de telecomunicações e de media”. Entre outros aspectos, a AdC levou em conta que “a Altice passaria a deter, em resultado do controlo do Grupo Media Capital, um nível de poder económico que lhe daria a capacidade e o incentivo para implementar diversas estratégias de encerramento dos mercados à concorrência". Destas "resultariam aumentos de custos muito significativos para os seus concorrentes, ao nível dos mercados de televisão por subscrição e de serviços multiple play”.

Agora, a AdC concretiza e diz que esse aumento de custos poderia “ultrapassar, em determinados cenários, os 100 milhões de euros por ano”. Ao diminuírem as “pressões concorrenciais nos mercados”, essa falta de concorrência acabaria por reflectir-se negativamente “nos preços finais cobrados aos consumidores”, refere a entidade presidida por Margarida Matos Rosa.

A AdC destacou o facto da concentração gerar “riscos sérios de entraves à concorrência nos mercados de telecomunicações e de media”, recordando que o grupo Media Capital engloba, além dos canais TVI, as rádios Comercial, M80, Cidade FM, Smooth FM e Rádio Vodafone, o portal de internet IOL e a plataforma de conteúdos sobre internet TVI Player, e que a Meo também tem, além das telecomunicações e da plataforma de televisão por subscrição, a exploração da plataforma da Televisão Digital Terrestre (TDT).

A Altice “passaria a deter a capacidade e um claro incentivo para impedir o acesso ou para cobrar preços mais elevados a outras plataformas concorrentes de telecomunicações pelos conteúdos e canais de televisão da Media Capital, aumentando assim os custos destas plataformas e, consequentemente, criando entraves à concorrência nos mercados de telecomunicações e de media que se reflectiriam sobre as famílias”.

A estratégia “seria lucrativa para a Altice/Media Capital face à enorme desproporcionalidade entre as receitas geradas no negócio de televisão e as receitas geradas no negócio de telecomunicações (muito superiores)”. Destacando “a importância que os conteúdos e canais TVI têm para os consumidores”, confirmada através um inquérito ao consumidor, a AdC garante que a “ameaça credível de perda de acesso aos canais TVI habilitaria a Altice/Media Capital a cobrar preços mais elevados” por estes conteúdos aos seus rivais Nos, Vodafone e Nowo.

Assim, sublinha a AdC, “ficou demonstrado que a Altice/Media Capital, enquanto operador de telecomunicações e de media integrado verticalmente, passaria a poder utilizar o negócio de televisão de forma instrumental para reforço da sua quota e respetivos lucros nos mercados de televisão por subscrição e de serviços multiple play, à custa dos consumidores”.

Mas, para além disto, a Altice teria ainda outros instrumentos para penalizar os seus rivais SIC e RTP. De acordo com a AdC “seria previsível que o acesso às plataformas de distribuição da Meo, por parte dos canais concorrentes aos canais da TVI, viesse a ser feito em piores condições de preços, qualidade de serviços e posicionamento na grelha, sendo que, por essa via, se assistiria a um risco de enfraquecimento concorrencial destes canais e, consequentemente, uma menor capacidade dos mesmos para apostar na oferta de conteúdos de qualidade”.

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