Para já, o principal favorito à vitória final é Vladimir Putin

A Rússia vai organizar o Mundial de futebol pela primeira vez numa altura em que enfrenta sanções internacionais e com as relações mais tensas com o Ocidente desde a Guerra Fria. Mas nada disso impediu Putin de receber a principal competição de futebol do mundo.

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Vladimir Putin no Kremlin Reuters

Em Maio, quando questionado sobre quem seria o vencedor do Mundial de futebol que começa quinta-feira na Rússia, Vladimir Putin respondeu que “os vencedores serão os organizadores”. No início, eram poucos os analistas que arriscavam concordar — nunca um país organizador da competição de futebol mais importante do mundo esteve sob sanções internacionais e com relações tão tensas com o Ocidente. Só por isso, o simples facto de o Mundial se realizar com sucesso dará razão à afirmação do Presidente russo.

Desde a organização dos Jogos Olímpicos de Inverno em 2014, em Sochi, que as muitas acusações graves contra o Kremlin degradaram as relações entre Moscovo e Ocidente. O ambiente chegou a um ponto que não se via desde a Guerra Fria: a anexação da Crimeia; a acusação de interferência nas eleições presidenciais norte-americanas para apoiar Donald Trump e noutros processos eleitorais europeus; o apoio ao regime de Bashar al-Assad e a intervenção na guerra da Síria; as suspeitas de envenenamento do antigo espião russo Serguei Skripal e da filha, Iulia, no Reino Unido. A acrescantar a esta lista, o escândalo do esquema de doping que levou o Comité Olímpico a expulsar a Rússia dos próximos Jogos.

Algumas destas crises motivaram sanções internacionais — foi o caso da Crimeia. No caso do espião, houve expulsões em massa de diplomatas e um boicote institucional ao Mundial (nenhum membro do Governo e da família real britânica irá à Rússia).

Mas perante este ambiente aparentemente hostil, o sinal que Putin envia para o exterior com a organização do Mundial é só um: nenhuma destas medidas contra a Rússia resultou.

“Para Putin, receber o Campeonato do Mundo significa o falhanço das sanções e o falhanço dos esforços do Ocidente em isolá-lo”, diz à Reuters Serguei Medvedev, professor na Universidade de Economia de Moscovo.

Medvedev explica que o pensamento de Putin é muito pragmático: “Continuamos a ter a Crimeia, estamos a seguir a nossa agenda, e, vejam, toda a gente veio ao Mundial.”

Uma fonte oficial do Kremlin espelha também este sentimento em declarações à Reuters: “Se isto é isolamento, então estamos a gostar.”

No meio da crise aberta na sequência da tentativa de assassínio de Skripal em solo britânico, o chefe da diplomacia do Reino Unido, Boris Johnson, chegou a sugerir que Putin iria utilizar o Mundial para capitalizar a sua imagem, como fez Adolf Hitler com a organização dos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim (a comparação é de Johnson).

Acabada de sair de uma recessão económica, fundamentalmente criada pelas sanções internacionais e a queda dos preços do petróleo, receava-se que a Rússia iria encontrar dificuldades para organizar uma competição que implicou um investimento de 12 mil milhões de dólares (mais de dez mil milhões de euros), segundo dados oficiais de Moscovo. Porém, desde o primeiro momento que o Kremlin garantiu que o Mundial vai gerar apenas benefícios económicos ao país.

Foi sobretudo uma mensagem de confiança para consumo interno, mas que Putin precisou de dar. “Putin precisava do Campeonato do Mundo principalmente para objectivos domésticos, e penso que vai servi-lo bem nesse sentido, tal como fez Sochi”, diz à Associated Press o analista político russo Dmitry Oreshkin.

Putin não tem tido problemas com as suas taxas de popularidade dentro de casa, que chegam aos 80%, mesmo com crescentes críticas motivadas pela situação económica e pelos casos de corrupção. Nas eleições de Março, o Presidente foi reeleito com 77% dos votos, apesar do cepticismo internacional relativamente à independência do processo eleitoral.

“Em teoria, só pode aumentar a sua popularidade, mas a sua popularidade já é muito alta e tem estado à volta do mesmo nível há algum tempo”, afirma à Reuters Stepan Goncharov, sociólogo da organização não governamental Levada Center.

Putin tem 65 anos e está a cumprir o que deve ser o seu último mandato (que tem a duração de seis anos). Por isso, o Presidente russo já pensa no legado que vai deixar depois de sair do Kremlin.

“Ele quer deixar a sua marca — diz Medvedev—, ele é obcecado com a grandiosidade.”

Poucas contribuições melhores haverá para isso do que a organização bem sucedida de um Mundial que, além de tudo, devolve um pouco da reputação internacional perdida nos últimos anos e mostra ao mundo o regresso da potência russa contra tudo e contra todos.

Os ganhos desportivos para a Rússia são pouco prováveis, visto que é a selecção com a pior classificação no ranking da FIFA (70.º lugar) de todos os participantes do Mundial. Mas, se tudo correr de acordo com o previsto, o grande vencedor será mesmo um russo, de nome Vladimir Putin.

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