Transportes flexíveis: o futuro da mobilidade nas regiões do interior?

O uso intensivo de tecnologias é uma oportunidade para melhorar as condições de vida e tornar os centros urbanos mais eficientes, mais sustentáveis e com melhores condições de vida dos seus habitantes.

Assistimos nos nossos dias a crescentes tendências de concentração da população e das principais actividades económicas em áreas urbanas. Estudos recentes vão-nos dizendo que, dentro de uma década, a maioria da população viverá em espaços urbanos. Na Europa, essas tendências apontam para 80% da população a viver em centros urbanos em 2050! O impacto que esta realidade tem em termos de mobilidade das populações torna urgente a procura de soluções inovadoras e eficientes, quer para o transporte de pessoas, quer para a movimentação de mercadorias. O uso crescente do comércio electrónico veio acrescentar uma nova dimensão aos já complexos problemas de planeamento de sistemas de transportes, com a explosão de serviços de entregas e recolhas de bens ao domicílio – a última milha.

Assim, novos conceitos e soluções de mobilidade vão surgindo com recurso a novos serviços, como, por exemplo, sistemas de partilha de carros e/ou novas tecnologias, como veículos autónomos e até, imagine-se, drones para o transporte de pessoas e bens! Várias aplicações de telemóvel existem já para nos ajudar a escolher o serviço de transporte mais adequado, os melhores percursos e até para nos informarem, em tempo real, das condições do tráfego.

Sistemas que combinam de forma inteligente e eficiente transporte individual e transporte colectivo são essenciais ao bem-estar das populações e ao desenvolvimento competitivo e sustentável dos espaços urbanos. Smart Cities é já um tema obrigatório em qualquer fórum sobre o quotidiano das cidades. O uso intensivo de tecnologias é uma oportunidade para melhorar as condições de vida e tornar os centros urbanos mais eficientes, mais sustentáveis e com melhores condições de vida dos seus habitantes.

Todas estas iniciativas em torno do presente e futuro da mobilidade têm uma coisa em comum: discutem soluções para problemas de mobilidade em espaços urbanos. Espaços esses que dispõem de infraestruturas (redes rodoviárias e ferroviárias e de comunicação), densidades populacionais elevadas, serviços de transporte público mais ou menos bem desenvolvidos e com maiores ou menores graus de intermodalidade.

E as áreas do interior, zonas de pouca gente e muita terra?

As áreas rurais remotas com densidades populacionais baixas e elevados níveis de dispersão apresentam grandes desafios à mobilidade das suas populações, principalmente em situações em que os transportes públicos regulares de passageiros têm vindo a reduzir, senão a eliminar, a sua oferta de serviços. Adicionalmente, outras características observadas nestas áreas, como a elevada proporção de idosos, o baixo nível de rendimentos individual e/ou do agregado familiar e a existência de baixos níveis de oferta de atividades e serviços, têm contribuído para o aumento do isolamento das populações residentes e da sua exclusão social.

Os serviços de transporte público regular de passageiros baseado em serviços estáticos (rotas, paragens e horários fixos) têm-se mostrado bastante ineficazes e ineficientes ao mesmo tempo que a sua oferta tem vindo a diminuir, quer em termos de quantidade (menor frequência e descontinuidade de alguns serviços), quer em termos de qualidade (por exemplo, frotas envelhecidas e falta de informação). Deste modo, novas soluções de transporte, que cumpram o objetivo primário de garantir, no mínimo, a mobilidade e a acessibilidade aos serviços básicos dos residentes rurais, são essenciais e urgentes.

Alguns estudos têm vindo a mostrar as vantagens da implementação de sistemas de transporte flexível. O serviço de transporte flexível é um conceito, bastante abrangente, que contempla a flexibilidade de algumas das características dos serviços de transporte (por exemplo rotas, horários, paragens, forma de pagamento, especificação de passageiros, forma de marcação, entre outros), por oposição a serviços tradicionais cujas características de operação são predefinidas e fixas.

Dentro das soluções de transporte flexível, o Transporte a Pedido, com rotas e horários flexíveis, disponibiliza veículos de capacidades adequadas a cada conjunto de pedidos, aproximando-se das necessidades das pessoas, oferecendo-lhes qualidade e conveniência. Em regra, os utilizadores de um serviço de Transporte a Pedido contactam, com alguma antecedência, uma central coordenadora para efectuar a reserva de uma viagem. Os serviços centrais processam os pedidos e gerem um conjunto de recursos (veículos, condutores, entre outros) que lhes permite organizar um transporte que vá de encontro às necessidades dos utilizadores, usando escalas e rotas flexíveis para, de forma dinâmica, recolher e entregar passageiros de acordo com os seus pedidos.

Vários estudos mostram que as soluções de transporte flexível têm, em norma, objetivos sociais importantes, desde a mitigação dos problemas de exclusão social até à colmatação das fracas acessibilidades que caracterizam as populações rurais. É considerado uma forma de transporte intermédia entre o tradicional autocarro e o táxi, quer em termos de tarifas, quer em termos de conveniência para o utilizador. No entanto, uma avaliação destes serviços baseada exclusivamente numa dimensão financeira tem evidenciado a difícil viabilidade deste tipo de solução de mobilidade e vários são os casos em que os serviços foram descontinuados ou convergiram para soluções pouco ou nada flexíveis.    

A sua utilização tem sido explorada em alguns países, maioritariamente em áreas rurais e pequenas localidades ou ao serviço de populações com necessidades especiais (idosos; pessoas com deficiências, etc.) em zonas urbanas. O uso de modernas soluções tecnológicas associadas a um exigente e cuidadoso planeamento são vistos como essenciais para o bom desempenho e sustentabilidade destes serviços.

Em Portugal, a adoção deste tipo de solução é ainda muito limitada. O Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros (RJSPTP), aprovado pela Lei n.º 52/2015, veio, finalmente, trazer o enquadramento legal a este tipo de soluções, mas faltam ferramentas de suporte à decisão no projeto deste tipo de transporte cuja complexidade é já bem conhecida. Envolve múltiplos intervenientes (entidades governamentais centrais, operadores, autoridades locais, utilizadores, etc.) com objetivos divergentes e conflitos de interesse ao nível social, económico e ambiental e, como tal, apresenta uma complexidade elevada de requisitos de coordenação com divergências de compreensão entre os decisores, levando a grandes falhas quando as ambições são descoordenadas e elevadas.

Numa fase em que as recentemente criadas Autoridades de Transporte se debatem com o complexo desafio de definir sistemas de transporte públicos eficientes e eficazes, combinando serviços de transporte regular com serviços flexíveis, algumas questões serão particularmente pertinentes: são os transportes flexíveis viáveis? Que grau de flexibilidade devem acomodar? Que recursos utilizar? Como planear de forma dinâmica a sua operação?

Na Escola de Engenharia da Universidade do Minho, o grupo de investigação SLoTS (Supply chain Logistics and Transportation Systems) do Centro ALGORITMI tem vindo a desenvolver abordagens integradas que visam responder a algumas destas questões, umas de natureza mais estratégica, outras de carácter tático ou até operacional. As abordagens desenvolvidas não se focam exclusivamente no desenvolvimento de modelos matemáticos de definição de rotas e afetação de veículos (temas já muito explorados na abordagem de problemas operacionais) mas também numa avaliação de desempenho que incorpore as várias dimensões da sua sustentabilidade.

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