Ministério Público pediu esclarecimentos sobre 80% das declarações de rendimentos

Em cinco anos apenas foram analisadas 2133 declarações de um universo de cerca de 17 mil. Procuradoria-Geral da República reconhece que dá prioridade à fiscalização da declarações que são reveladas na comunicação social.

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Ricardo Silva

Mais de 80% das declarações de rendimentos fiscalizadas pelo Ministério Público (MP) junto do Tribunal Constitucional entre 2013 e 2017 exigiram pedidos de esclarecimentos suplementares aos declarantes, sejam eles políticos ou altos cargos públicos.

Segundo os dados fornecidos ao PÚBLICO pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em cinco anos - entre 1 de Janeiro de 2013 e 31 de Dezembro de 2017 -, o MP analisou 2133 processos de declarações de património e rendimentos e sentiu necessidade de pedir esclarecimentos em 1714 casos – o que representa um pouco mais de 80% das análises efectuadas.

Esta alta percentagem é reveladora do elevado grau em que políticos e titulares de altos cargos do Estado falham no cumprimento desta obrigação, seja na entrega de todas as declarações obrigatórias, seja no rigor do seu preenchimento. De acordo com a PGR, “a análise de um processo pode implicar a análise de diversas declarações de um mesmo titular”. Nessa medida, caso se detectem falhas (por exemplo, entrega de uma de declaração de início de funções, mas não de cessação ou vice-versa, ausência de ambas ou preenchimento incompleto), “são os declarantes convidados a completar as declarações entregues ou a providenciar pela entrega das declarações em falta”, acrescenta a Procuradoria.

A fiscalização das declarações é feita a dois níveis: a análise formal, em que se verifica se os campos dos formulários “se encontram devida e completamente preenchidos”; e uma análise de conteúdo para verificar, por exemplo, a congruência dos rendimentos e do património declarados.

No mesmo período, foram fiscalizadas 2596 declarações de incompatibilidades, cuja apresentação também é obrigatória por parte de políticos e titulares de altos cargos públicos, mas cuja consulta não é pública (senão por requerimento), e neste caso apenas 187 (7%) motivaram pedidos de esclarecimento suplementares, sem que tenha sido proposta qualquer acção relacionada com incompatibilidades nesses cinco anos.

O PÚBLICO perguntou também à PGR quais os critérios que orientam a fiscalização das declarações de rendimento e incompatibilidades, uma vez que o universo dos políticos e titulares de altos cargos públicos obrigados a apresentar aquelas declarações à luz da lei 4/83 ronda os 17 mil declarantes e, como os dados revelam, apenas uma pequena percentagem – cerca de 12,5% - foram efectivamente fiscalizadas.

“Dado o elevado número de declarações a analisar, tem-se feito particularmente incidir a atenção do Ministério Público sobre os últimos anos, caminhando-se progressivamente para anos anteriores, à medida que as circunstâncias o permitirem”, explica a PGR. Além deste critério cronológico, o MP tem dado “especial atenção” às declarações de “pessoas particularmente expostas (deputados, membros do Governo, autarcas)” na sequência de actos eleitorais.

Mas a PGR também reconhece que dá prioridade à fiscalização de declarações que, por algum motivo, se tornam notícia na comunicação social. “Procura-se intervir imediatamente na análise de declarações de certos titulares, no seguimento de notícias que suscitem dúvidas sobre a veracidade de declarações por eles entregues, ou que refiram a falta dessa entrega, e que possam suscitar alarme público”. A PGR salienta também que a fiscalização do MP “tem sido, naturalmente, objecto de devida e cuidada articulação com o Tribunal Constitucional”.

PS quer tornar obrigatória declaração de origem de rendimentos

É mais uma proposta polémica em discussão na Comissão da Transparência: o PS quer que os políticos e titulares de altos cargos públicos discriminem, na declaração de início de funções, a origem concreta dos seus rendimentos anteriores e não apenas os rendimentos brutos. “Se houver mais do que uma fonte de rendimento, haja uma desagregação e especificação dos rendimentos em causa – rendimentos de capitais, de trabalho, de direitos de autor”, explicou Jorge Lacão na reunião desta terça-feira.

A direita não percebeu o alcance da proposta, “a não ser numa lógica de voyeurismo”, nas palavras do presidente da Comissão, Marques Guedes (PSD) e com riscos para a violação de “dados pessoais”, segundo António Carlos Monteiro (CDS), até porque essa discriminação já é feita no IRS. Lacão justificou: “O que está realmente em causa é podermos conhecer se alguém exerce uma função condicionado por funções que exerceu anteriormente”. A discussão foi acesa, mas a decisão fica para depois.

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