O Estado Malandro

O RGPD significa um grande avanço civilizacional que colocou, quiçá pela primeira vez, a Europa na liderança de um tema digital.

“Recent inventions and business methods call attention to the next step which must be taken for the protection of the person, and for securing to the individual… the right to be let alone.”
Louis Brandeis, Harvard Law Review, 1890

 

O RGPD entrou-nos pelas mailboxes como um raio lancinante na forma de mensagens consecutivas a reclamar consentimentos… Mas como se vê na citação acima, o direito à privacidade não é um tema propriamente novo!

Não nos iludamos. O RGPD significa um grande avanço civilizacional que colocou, quiçá pela primeira vez, a Europa na liderança de um tema digital. É uma excelente oportunidade para empresas e cidadãos reverem as suas políticas de uso e cedência de dados. E devolve aos consumidores o direito de escolha que a certa altura parecia definitivamente perdido.

Contudo, quando passamos do plano concetual para o plano operacional, tudo muda de figura. Aqui tudo parece ter sido preparado sem planeamento, sem estratégia e sem respeito por cidadãos e empresas. A forma atabalhoada e com custos desnecessários com que as empresas tiveram de lidar com o “25 de maio de 2018” deve fazer-nos corar de vergonha. Tal deveu-se à incapacidade do Estado para estabelecer, em devido tempo, orientações, recomendações, códigos de conduta ou informação útil para quem teve de se adaptar. É a prepotência de um Estado que não se inibiu de prever coimas de montantes astronómicos e parece colocar-se no papel de “inimigo” de cidadãos e empresas, salivando à espera que estes falhem para lucrar com o fracasso alheio. Lamentável…

A cereja em cima deste bolo, que tem uma ótima receita mas parece ter ingredientes estragados, é a decisão do legislador nacional de excluir (ou melhor, autoexcluir) os organismos públicos do regime de sanções. Ou seja, o Estado, que devia apoiar empresas e cidadãos e não o faz e que exige rigoroso cumprimento aos mais vulneráveis, decreta a sua autoexclusão desta maçada de cumprir as leis…

Parece mentira, mas na verdade a proposta de lei levada ao Parlamento prevê a “não aplicabilidade de coimas às entidades públicas”. Ora, este Regulamento surgiu para proteger os dados pessoais dos cidadãos, não para perseguir quem gera riqueza, nem para multiplicar receitas para os Estados. Julgo que todos temos noção que os nossos dados mais sensíveis estão precisamente à guarda das entidades públicas. Pensemos, por exemplo, no SNS ou na Autoridade Tributária… Em suma, esta exclusão torna este regime numa farsa ou em algo muito diferente da sua ideia original!

Quadro da Microsoft; Presidente do Conselho Estratégico para a Economia Digital da CIP

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