OPA sobre a EDP vai obrigar regulador a olhar para a REN

Se a China controlar a EDP, a ERSE terá de reavaliar a independência do operador da rede eléctrica, detido em 25% pelo Estado chinês, face à produtora e comercializadora de energia. Bruxelas pode ter uma palavra a dizer.

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Cristina Portugal é a presidente da ERSE, o regulador do mercado de energia. Daniel Rocha

Entre investigações judiciais e litígios com o Estado, a oferta pública de aquisição (OPA) da China Three Gorges (CTG) é uma de muitas razões que mantêm a EDP sob os holofotes. No entanto, esta operação poderá fazer com que as atenções da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e da Comissão Europeia se voltem para a REN, onde o Estado chinês tem 25% do capital.

A ERSE afirmou ao PÚBLICO ser “prematuro pronunciar-se sobre o processo” porque a OPA “ainda não está registada”. Contudo, se o registo avançar e a operação for efectivamente lançada, as suas implicações obrigarão a entidade liderada por Cristina Portugal a reavaliar se as regras europeias que obrigam à separação efectiva (jurídica e patrimonial) entre as actividades de redes de transporte de energia e as de produção e comercialização estão a ser cumpridas. Só com condições de independência asseguradas a REN poderá manter a sua certificação como operador de rede, obrigatória à luz da directiva europeia de 2009, que estabeleceu regras comuns para o mercado interno de energia. O PÚBLICO não conseguiu obter um comentário da REN sobre o tema.

Se a EDP, que produz e comercializa electricidade, passar a ser controlada pela República Popular da China (que já tem 28,25% da empresa, mas ambiciona com a OPA alcançar pelo menos 50% mais uma acção), que é igualmente a maior investidora da REN (embora com uma posição limitada a 25%, por imposição legal) a capacidade de influência deste accionista comum terá de ser analisada pela ERSE, que tem obrigação de “fiscalizar o cumprimento constante” das regras de separação de actividades. E se houver que dar início a um processo de certificação, a ERSE terá de submeter a sua decisão a parecer prévio da Comissão Europeia, para que se pronuncie sobre a sua compatibilidade com a lei.

Embora a decisão final sobre a certificação caiba ao regulador nacional, a directiva fixa que “para assegurar uma aplicação coerente” das regras de separação de actividades “em toda a Comunidade, as entidades reguladoras deverão ter na máxima consideração o parecer da Comissão sempre que tomem decisões em matéria de certificação”.

Foi assim em Setembro de 2014, quando a ERSE tomou a decisão provisória sobre a certificação da REN (a decisão final chegou em 2015), pronunciando-se pela primeira vez sobre as posições accionistas da China nas duas empresas: “A CTGC [China Three Gorges Corporation] é, em última análise, propriedade do Estado chinês, o qual é simultaneamente proprietário da SGCC [State Grid Corporation of China], que detém a State Grid, accionista da REN”.

“A Comissão concordou com a ERSE que, atendendo ao facto de nem a State Grid controlar a REN SGPS, nem a CTGC controlar a EDP, estão preenchidas as condições exigidas” pelas directivas de electricidade e de gás, dizia então o regulador. Porém, também frisava que, “caso o actual limite de 25% venha a ser posto em causa, por qualquer razão, e qualquer das participações anteriores venha a aumentar, pode sempre ser equacionada a reapreciação das condições de certificação, nos termos legalmente previstos”.

Já os serviços de Bruxelas salientavam no parecer que “incumbe à ERSE verificar se as circunstâncias em que assenta a avaliação permanecem inalteradas”.

Nessa decisão provisória, a ERSE estabeleceu 11 condições, cujo cumprimento verificou ao fim de oito meses, para atribuir a certificação definitiva à REN – Rede Eléctrica Nacional e à REN Gasodutos como operadores das redes de transporte de electricidade e de gás natural, respectivamente.

Entre estas incluía-se uma que surgiu de uma recomendação da Comissão: a de que a EDP, que tem 5% da REN, deixasse de ter direitos de voto nas assembleias gerais (AG) da companhia, mantendo os dividendos. Embora a ERSE tivesse concordado que o facto de a EDP não conseguir nomear gestores para os operadores das redes, e de só ter direito a voto na AG da REN SGPS (a casa mãe), afastava a possibilidade de que exercesse controlo sobre os primeiros, Bruxelas foi taxativa: “A Comissão não pode aceitar esta argumentação”.

Recordando que a EDP exerce actividade em Portugal, recorrendo às redes da REN, a Comissão sustentava que “a criação de um nível administrativo separado entre os proprietários” de um operador de rede e a sua administração não chega “para excluir a possibilidade” de os proprietários com conflitos de interesses poderem contornar as regras de separação, exercendo influência “através de um órgão intermédio”.

Assim, a Comissão convidava a ERSE “a recusar a certificação” até que a participação da EDP fosse “transferida para uma parte isenta de conflito de interesses ou até que os direitos de voto” fossem limitados, subsistindo apenas o direito de receber dividendos.

Se for necessário repetir o processo de certificação, fica em aberto a possibilidade de a ERSE e de Bruxelas virem a definir novos remédios para a REN, mas esse é um processo cujo desfecho parece ainda distante.

O anúncio preliminar de OPA foi feito no dia 11 de Maio e o prazo para a CTG pedir o registo da oferta à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) termina esta sexta-feira. Porém, até que a CMVM decida se aprova o registo há uma série de condições de lançamento da oferta – definidas pela própria CTG – que deverão estar preenchidas, como a realização de uma AG da EDP para alterar estatutos, e autorizações de reguladores nos vários mercados onde a eléctrica está presente. Antes disso, a gestão da EDP ainda terá de se pronunciar formalmente sobre as condições e oportunidade da oferta, tendo já adiantado numa primeira abordagem que a contrapartida de 3,26 euros por acção é baixa.

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