Investigação à EDP impedida de ver contas e impostos de Mexia

Juiz Ivo Rosa trava acesso do Ministério Público aos dados bancários e fiscais de António Mexia e João Manso Neto, bem como a utilização de mensagens de correio electrónico obtidas nos casos BES e "Operação Marquês", no processo sobre alegado favorecimento à EDP.

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Rui Gaudencio

O juiz de instrução criminal responsável pelo caso EDP voltou a impedir que o Ministério Público utilize os dados bancários e fiscais de António Mexia e de João Manso Neto na investigação às suspeitas de corrupção e de favorecimento à EDP com a entrada em vigor dos contratos de compensação conhecidos por Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), em que ambos são arguidos.

Num despacho com data de 23 de Maio, a que o PÚBLICO teve acesso, Ivo Rosa considerou irregulares os despachos do Ministério Público (MP) que permitiram aos investigadores Carlos Casimiro e Hugo Neto obterem do Banco de Portugal (BdP) e da Autoridade Tributária (AT) a informação bancária e fiscal do presidente e do administrador executivo da EDP. “As informações bancárias em causa, assim como as fiscais” deverão ser “desentranhadas [dos autos] e acondicionadas em envelope fechado até ao trânsito em julgado deste despacho”, lê-se no documento assinado por Ivo Rosa.

Por outras palavras, quer a informação que o supervisor financeiro enviou sobre as contas bancárias de Mexia e de Manso Neto aos procuradores, quer a informação enviada pelo fisco, ficam fora do alcance da investigação, tal como requereu a defesa dos gestores, a cargo da sociedade de advogados PLMJ. Segundo disse à Renascença fonte do MP, os investigadores vão recorrer da decisão.

Em Outubro passado, Ivo Rosa já tinha rejeitado uma primeira tentativa de levantamento do sigilo bancário e fiscal dos dois gestores da EDP, considerando irregular o despacho do MP com essas solicitações às instituições bancárias e à AT, bem como as eventuais respostas que essas entidades remetessem a Carlos Casimiro e a Hugo Neto.

Dizia então o juiz, no despacho citado pela revista Visão, que o pedido de levantamento não continha “fundamentação factual nem qualquer indicação de elementos probatórios existentes no processo” que levassem “à conclusão da existência de indícios da prática de um crime de corrupção e de participação económica em negócio por parte dos arguidos António Luís Mexia e João Manuel Neto”.

Além disso, o magistrado sustentava que do despacho do MP “não constavam elementos, ainda que mínimos” que permitissem “concluir pela necessidade do recurso” àquele meio de prova, que colide com a restrição de direitos fundamentais, como o direito à reserva da intimidade da vida privada.
O MP recorreu desta decisão, mas voltou a insistir nos pedidos, conseguindo efectivamente que quer o supervisor da banca quer a AT lhe enviassem as informações sobre os arguidos.

Perante os requerimentos dos advogados de Mexia e de Manso Neto no sentido de ver declarada a invalidade dos pedidos dos procuradores e afastada a possibilidade de utilização dos dados obtidos, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) veio sublinhar no despacho de quarta-feira que a competência para decidir sobre o levantamento do sigilo é sua e não do MP. “Tratando-se de direitos fundamentais”, como o direito da reserva da vida privada, “a questão não poderá estar fora da sindicância jurisdicional a exercer pelo juiz de instrução criminal, enquanto juiz de garantias e de liberdades”, refere Ivo Rosa.

Por outro lado, deu razão à defesa de Mexia e de Manso Neto, que sustentou que o despacho com que o MP invocou a quebra do sigilo bancário do BdP foi irregular porque “indicou um fundamento legal desadequado”, mas também por padecer de “falta de fundamentação”.

Segundo o despacho de Ivo Rosa, o MP fez o pedido ao BdP invocando um regime de levantamento do sigilo bancário que se aplica apenas às sociedades de crédito, quando o Banco de Portugal é uma autoridade de supervisão e está sujeito a outras regras. “Cabe concluir que não estavam reunidos os pressupostos para que o Banco de Portugal procedesse à entrega da informação em causa”, diz Ivo Rosa. À luz das regras aplicáveis à entidade supervisora “os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitidos ao BdP, ou nos termos previstos na lei penal e de processo penal”. Como “a solicitação dirigida pelo MP ao BdP não seguiu instruída com autorização por parte dos titulares das contas”, nem essa “autorização se retira ou alcança da conduta processual” adoptada pelos arguidos nos autos do caso EDP, o juiz diz que as condições para o levantamento do sigilo não estavam preenchidas.

Além disso, Ivo Rosa concorda que o pedido feito ao BdP era parco na justificação do pedido. “A necessidade de fundamentação dos actos decisórios, em particular dos actos que restringem direitos fundamentais (…) entronca-se no próprio direito de defesa da pessoa afectada pelo acto”, refere o juiz. O magistrado volta a invocar os argumentos que já tinha usado na decisão de Outubro para referir que o despacho do Ministério Público não continha “a explanação das concretas razões que levam a concluir pela admissibilidade daquele meio de obtenção de prova”, que representa a restrição de um direito fundamental.

Quanto ao sigilo fiscal, a opinião do juiz é que, não obstante o MP ter recorrido da sua decisão a impedir o levantamento, essa mesma decisão “continua a produzir efeitos”, pelo que o pedido feito à AT também é irregular.

Emails fora de questão

Na mesma linha, Ivo Rosa também decidiu que quaisquer emails relativos a António Mexia e João Manso Neto que venham a ser copiados ou obtidos através do “processo do BES” e da “Operação Marquês” não cabem na investigação. O juiz, que já tinha anteriormente invalidado o pedido feito pelos procuradores para que se realizassem pesquisas relativas a Mexia, a Manso Neto e a Manuel Pinho na investigação ao BES, volta a frisar que a utilização dos emails está fora de questão.

“Tem-se por inválida qualquer prova que venha a ser obtida na sequência dessa decisão” do MP de pedir auxílio aos casos BES e Operação Marquês “e que esteja relacionada com correio electrónico”, refere o despacho do juiz de instrução criminal. João Medeiros, advogado de Mexia e Manso Neto, sobre esta questão, diz ao PÚBLICO que não se sabe sequer se foi feita essa pesquisa e que os emails, a existirem, estão nos processos de origem, não tendo sido destruídos como foi noticiado esta quinta-feira pelo jornal i.

Não só a lei não prevê o “aproveitamento extraprocessual” do correio electrónico – ou seja, a utilização num determinado processo de emails recolhidos no âmbito de outro processo distinto – como prevê especificamente que cabe ao “juiz competente” (ou seja, ao juiz titular dos autos, que no caso é Ivo Rosa) decidir sobre se determinada correspondência é relevante para a prova e para junção ao processo.

Como quaisquer mensagens de email que venham a ser copiadas ou obtidas por via de outras investigações não lhe passaram pelas mãos para fazer essa avaliação, Ivo Rosa é taxativo quanto à sua utilização no caso EDP: “Não podemos deixar de concluir que é proibida a valoração de meios de prova obtidos dessa forma, por abusiva intromissão na vida dos visados”. 

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