As escolas de negócios estão cada vez mais digitais

Dois terços das instituições de ensino superior oferecem cursos para executivos com vertente tecnológica. Fenómeno tem crescido nos últimos anos. Das apostas mais clássicas, como o marketing digital, às tecnologias emergentes, como a blockchain, é uma realidade “incontornável”.

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Conferência Consensus 2018 sobre blockchain, em Nova Iorque: a tecnologia blockchain e as suas aplicações são uma das novas áreas em que a formação executiva está apostar Reuters/MIKE SEGAR

De um lado, engenheiros informáticos e outros profissionais das tecnologias da informação à procura de novas competências para gerir negócios; do outro, gestores tradicionais tentando preparar-se para a digitalização da economia. As escolas de negócios estão cada vez mais digitais, apostando na criação de novos cursos para executivos com uma vertente tecnológica e levando esses conteúdos para as formações mais tradicionais.

A tendência de se encontrarem profissionais com formações de base em áreas tecnológicas em formações na área de gestão não é nova. As escolas de negócios habituaram-se, sobretudo desde o início desta década, a receber engenheiros informáticos e programadores, que chegaram a lugar de chefia intermédia nas suas empresas e procuram fazer formações pós-graduadas ou MBA.

Mas, nos últimos anos, a digitalização crescente dos negócios tem levado um número crescente de pessoas formadas em Economia e Gestão, e que já estão em posições executivas, a procurarem formações superiores com uma vertente tecnológica.

A conjugação destes dois fenómenos fez as instituições de ensino superior descobrir que a conjugação entre negócios e tecnologia já não é um nicho. A procura não pára de crescer – “não temos mãos a medir”, ilustra a directora da Coimbra Business School, Georgina Morais – e a oferta também está em expensão, tornando-se aposta de um número cada vez maior de universidades e politécnicos. Entre as 28 instituições de ensino superior que têm formações para executivos, 18 têm cursos na área das tecnologias – ou seja 64% do total.

Um bom exemplo da conjugação entre estas duas vertentes do fenómeno é o que acontece dentro do grupo Lusófona que, na Universidade Lusófona, criou um MBA em Sistemas de Informação – “sobretudo procurado por pessoas da área da informática, que procuram competências para entenderem o que é o negócio das organizações” – e, no Instituto Superior de Gestão, criou um mestrado de Gestão de Sistema de Informação, onde “um gestor tradicional pode adquirir uma visão mais tecnológica e componentes mais analíticas e ferramentas que podem apoiar nas tomadas de decisões das organizações”.

As explicações são de Rui Ribeiro, professor que coordena ambos os cursos. O mestrado do Instituto Superior de Gestão é o mais recente – começa apenas no próximo ano lectivo, ao passo que o MBA da Lusófona vai para a sétima edição – e exemplar do aumento de procura de gestores tradicionais por competências na área tecnológica.

“O ISG é uma escola de Gestão e entende o que são hoje os processos de transformação digital. Hoje não existem empresas que não giram os seus negócios sem um conhecimento de sistemas de informação, sem trabalhar a informação e tendo em atenção que os dados são um factor distintivo”, explica.

Aposta transversal

Rui Ribeiro acredita que, da mesma forma como, há uns anos, o conceito de soft skills [competências transversais] entrou em força na linguagem das instituições de ensino superior, ganhando um lugar de destaque nas suas propostas de comunicação e nos planos de estudos das formações, também o conhecimento “mesmo que de base” dos sistemas de informação vai ser “essencial” para o “gestor futuro”.

A tecnologia “está a alimentar as novas profissões e os modelos centrados na tecnologia vão alimentar grande parte dos planos curriculares no ensino superior”, concorda a directora da escola de Ciências Sociais e Empresariais da Universidade Europeia, Raquel Soares. “Na formação executiva será mais evidente”, acrescenta.

Mesmo instituições que não têm cursos específicos no seu portefólio sobre esta área, como é o caso da Universidade Católica, vêem como “transversal” e “incontornável” a tecnologia. “Não somos uma escola que vai ter formação de IT [acrónimo inglês para tecnologias da informação] aqui, mas temos que ter os IT’s aqui”, defende a associate dean Ana Corte-Real da Católica Porto Business School. Por isso, no corpo docente das formações, a instituição procura ter também nos programas professores das engenharias e trazer essa abordagem.

O fenómeno veio para ficar e ganhará cada vez mais força, concordam os vários responsáveis das instituições de ensino superior contactados pelo PÚBLICO. E no futuro mais imediato há uma nova realidade que vai contribuir para a sua aceleração. 

A anunciada instalação de novas empresas tecnológicas em Portugal, como a Amazon ou a Google, bem como o crescimento e a maior competição pela mão-de-obra especializada em que as empresas portuguesas do sector vão ter que entrar, vão ter um impacto nas formações superiores.

“Estas empresas vão também necessitar de novos talentos para integrarem os seus quadros, gerando potencial de novos cursos para novas áreas”, acredita o director do IPAM Lisboa, Pedro Mendes, que antecipa a possibilidade de as instituições de ensino superior poderem avançar com solução de formação executiva em formato de consórcio com algumas dessas empresas.

Um quinto da oferta para executivos

Para já, existe um total de 90 cursos para executivos nas áreas tecnológicas, que correspondem a 12,4% de toda de toda a oferta listada pelo PÚBLICO neste suplemento. A maior parte destas formações são pós-graduações (46) – formações mais curtas e de aprovação mais fácil, uma vez que não têm que passar pelo crivo da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Mas há também mestrados, cursos executivos e cursos livres na lista, onde se encontra um único doutoramento, em Avaliação de Tecnologia, na Universidade Nova de Lisboa.

Este curso não se centra exclusivamente nas tecnologias da informação. Entre as áreas que podem ser avaliadas pode estar a robotização, mas também alterações bioquímicas ou o uso de organismos geneticamente modificadas. A formação tem sido procurada por pessoas que já têm responsabilidade nos processos de tomada de decisão dentro das organizações, desde técnicos a executivos da área financeira, desde empresas da área tecnológica a organismos públicos.

“O objectivo é capacitar os alunos para apoiar na tomada de decisão acerca das escolhas tecnológicas”, explica António Brandão Moniz, director do doutoramento. Ali, aprende-se a entender as tendências de desenvolvimento do mercado relacionado com cada tecnologia em períodos longos (10 a 20 anos) e as suas implicações não só do ponto de vista económico, como também social e de relação com o público. Por isso, o curso criado em 2009, apesar de estar dentro da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa, tem uma forte componente de ciências sociais no seu plano de estudos.

Nenhuma outra instituição tem tantos cursos para executivos nas áreas tecnológicas como a Nova: são 27 no total. Esta instituição aproveita sobretudo a sua capacidade ao nível da análise de dados, oferecendo pós-graduações em Data Science for Finance [Ciência de Dados aplicada às Finanças], por exemplo, um mestrado em Análise e Engenharia de Big Data [armazenamento de grandes conjuntos de dados] ou um curso intensivo em Big Data for Business [aplicação dessa tecnologia aos negócios].

Na lista de formações para executivos com ligações às tecnologias da informação, destacam-se os cursos nas áreas do Marketing Digital e Comércio Eletrónico. Entre mestrados e pós-graduações, são cerca de uma dezena. Um dos mais populares é o do IPAM, criado em 2010, e que, já teve 46 edições em Lisboa, Porto, Ponta Delgada e em regime de ensino à distância. No total, envolveu já mais de 1100 alunos.

Nesta área, destaca-se a oferta do Instituto Politécnico de Coimbra, que, em Setembro, vai receber os primeiros alunos. Aposta na aplicação dos conhecimentos do marketing digital ao sector agroalimentar. “É um sector que está a sofrer uma grande modernização e o marketing digital tem tido um papel importante”, justifica a directora Coimbra Business School, Georgina Morais.

Esta pós-gradução vai ter a sua primeira edição no próximo ano lectivo, mas a fase de candidaturas já está a decorrer e tem tido “bastante procura” de profissionais com formações diversas: da área do marketing e da gestão, a entidades ligadas ao sector agro-alimentar e mesmo pessoas que vêm dos sistemas de informação.

Preocupações com a segurança

No portfólio da escola de negócios do Politécnico de Coimbra há também dois cursos numa área em particular crescimento: a segurança. Em Coimbra, existe um mestrado em Cibersegurança e uma pós-Graduação em protecção de dados, no Politécnico de Leiria um mestrado em Cibersegurança e Informática Forense (ver páginas seguintes) e, no sector privado pós-graduações em Cibersegurança na Universidade Europeia e Protecção de Dados na Universidade Autónoma de Lisboa.

A crescente digitalização das trocas comerciais e das interacções com organismos públicos, por exemplo, tornam central a questão da segurança. Foi para dar resposta a algumas destas preocupações que, em 2008, foi desenvolvida por Satoshi Nakamoto (que se crê ser um pseudónimo) a tecnologia de blockchain. Esta é uma base de dados distribuída (replicada em inúmeros computadores), que tem como uma das suas características o facto de os seus registos não poderem ser alterados e um sistema de encriptação que a torna mais transparente nas operações digitais.

A sua utilização mais conhecida é nas criptomoedas como o Bitcoin, mas terá também utilização ao nível da certificação de contratos, por exemplo, ou na indústria e na saúde. “A tecnologia blockchain tenha um impacto tão grande como teve a própria internet”, deseja Nuno Silva, professor da Universidade Lusíada de Lisboa, que coordena um curso livre sobre tecnologia blockchain e criptomoedas que arrancará no próximo ano lectivo naquela instituição.

É o primeiro do tipo em Portugal e foi criado para dar resposta a uma necessidade que aquela universidade entendia existir no mercado: na internet, é possível encontrar já “muita informação sobre esta tecnologia”, explica Nuno Silva. “Mas é informação que não é certificada. Com este curso pretendemos tornar o conhecimento sobre a blockchain e as criptomoedas mais estruturado e orientado e também validado do ponto de vista científico”.

Na passada semana, a universidade organizou um primeiro workshop sobre o tema. Em Setembro, arranca o curso livre, mas a intenção é, depois destas primeiras experiências, criar também uma pós-graduação. “Prevêem-se novas aplicações baseadas na tecnologia blockchain. Nesse sentido, fará falta muita mão-de-obra nesta área”, antecipa Nuno Silva.

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