Provar Pequim, do pato assado ao banquete dos imperadores

Dourado e brilhante, o pato é servido no Dadong como ícone de uma gastronomia com cinco séculos de tradição. Uma longa história que pode ser apreciada no Museu da Gastronomia Imperial.

Foto
O Dadong é um dos mais prestigiados restaurantes de Pequim Richard Janson/Getty Images

Mais que ir a Roma e não ver o Papa, impensável mesmo é passar pela capital chinesa e não provar o célebre pato assado, uma receita de que há relatos pelo menos desde o século XIII e sempre associada aos banquetes das cortes imperiais chinesas.

Pequim e pato são, portanto, indissociáveis, se bem que só a partir do século XV o assado tenha passado a estar ligado à cidade, depois de a Dinastia Ming para aí ter deslocalizado a capital antes instalada em Nanquim. Demoraria, no entanto, ainda mais de dois séculos até que o prato saltasse os muros dos aposentos imperiais para se tornar verdadeiramente icónico e popular.

Os historiadores contam que foi já em 1864 que abriu na capital o primeiro restaurante dedicado ao pato assado, iniciativa de um comerciante de patos e galinhas que para o efeito desafiou um antigo cozinheiro do palácio real. É, pois, a partir daí que verdadeiramente a receita passa a ser conhecida como o pato à Pequim e rezam as crónicas que se contam hoje por vários milhares o número de aves que diariamente são consumidas na capital chinesa.

Foto
DR

Muitos são também os restaurantes a puxar de credenciais para exibir a melhor ou a mais genuína receita, mas parece consensual que o mais reconhecido e prestigiado é o Dadong, hoje instalado num moderno edifício espelhado do centro da capital e rodeado de lojas das mais luxuosas marcas internacionais. É preciso subir depois até ao quinto andar, onde o ambiente espalhado e o amplo espaço decorado a branco logo se insinuam no contexto de novo luxo.

A par de fotos e dedicatórias de ilustres como o realizador Steven Spielberg ou múltiplos dignitários internacionais, a extensa carta (um livro de capa dura com dezenas de páginas de requintados e criativos menus a partir da cozinha tradicional chinesa) e uma lista de vinhos (também em livro) com boa parte dos ícones mundiais do sector, não deixam espaço para dúvidas.

Alguns vinhos à parte — sobretudo champanhes — diga-se desde já que quanto ao pato, e olhando aos preços europeus, a coisa estará até bem acessível: os 198 renminbi pedidos para cada exemplar não ultrapassam os 30 euros, e a dose é suficiente para servir três a quatro comensais. Com cerveja — que até liga com a pele crocante — a conta acaba mesmo contida, mas há também na lista alguns brancos de qualidade interessante a preços absolutamente normais.

E se pela carne macia e suculenta e pele crocante o pato cativa o palato, o ritual de serviço representa ainda um atractivo extra. Dourado e brilhante, chega inteiro e é dissecado em frente à mesa com tal mestria que as finas fatias de carne quase recompõem a ave na travessa, que é colocada no centro giratório da mesa.

Manda a tradição que, depois de depenados e limpos, os patos gordos são insuflados de forma a fazer separar a pele da gordura. Depois de escaldados, há que os pendurar e uma vez escorridos são “encerados” com xarope de maltose que lhe vai dar a cor dourada depois da assadura no forno em espeto rolante, ao estilo do leitão da Bairrada.

É servido com panquecas, molho adocicado de feijão, palitos de pepino e de caule de cebola, alho picado e sal a gosto, que se enrolam com as fatias de carne e comem à mão, tal como a pele crocante. Com os ossos e gordura restantes é feito um consomé que é servido no final do repasto.

E mesmo que do ponto de vista gastronómico não se revele absolutamente excitante, é claramente uma experiência imperdível sem a qual ficará sempre incompleta qualquer passagem pela capital chinesa.

Foto
DR

Cozinha imperial

Visita que neste caso teve lugar no âmbito do Concurso Mundial de Bruxelas, evento que avalia vinhos de todo o Mundo e foi na edição deste ano acolhido em Pequim. E foi neste contexto que a cidade proporcionou aos participantes uma experiência gastronómica, esta sim, única e excepcional.

Foi no Xiandu Royal Gastronomy Museum, um espaço museológico dedicado à gastronomia imperial que pretende mostrar as origens de uma tradição culinária com mais de cinco séculos e a sua evolução ao longo das várias dinastias. A culminar a visita, um jantar ao estilo imperial, não só com pratos a remeter para sabores e receitas da época, mas também envolvidas numa extraordinária e deslumbrante encenação, a recrear o ambiente dos banquetes que eram servidos à família imperial.

Memorável e emocionante, incluindo a vertente gastronómica, com um menu que, depois de alguns acepipes ao estilo da dinastia Qing, incluiu um soberbo caldo de cogumelos, estufado de tartaruga e assado de borrego, cujas texturas, sabores e envolvência andaram perfeitamente a par com a exuberância cénica.

Esta sim, uma sensação única, intensa e exaltante. E até com aquela ponta de emoção que é o corolário das experiências gastronómicas verdadeiramente marcantes.

Sugerir correcção
Comentar