Incêndios. Marcelo não se recandidata se falhar tudo outra vez

Presidente não demite o Governo se houver nova tragédia, mas tira uma consequência: “Voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, nos anos que vão até ao fim do meu mandato, isso seria, só por si, impeditivo de uma recandidatura”.

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NUNO FERREIRA SANTOS

Marcelo não diz se o Governo lhe mostrou a auditoria da Protecção Civil que guardou durante seis meses — diz que é tempo de unir. Lembra que promulgou tudo o que lhe chegou às mãos. E que tem a “expectativa” de que as lições tenham sido tiradas. Caso contrário, deixa Belém no fim do mandato. Entrevista PÚBLICO/ Renascença.

Na semana passada, o país ficou a conhecer o relatório da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) sobre Pedrógão Grande, que estava pronto — e guardado pelo Governo — há seis meses. Queria perguntar-lhe se o Governo mostrou esse relatório ao Presidente da República.
Sobre essa matéria tenho dito o que vou repetir aqui: estamos em véspera de transição da Primavera para o Verão, que coincide normalmente com a época mais complexa em termos de incêndios. Portanto, tal como noutras circunstâncias em véspera de desafios, o que temos de fazer não é estar a mostrar preocupações, ou apreensões, dúvidas, agora trata-se de mobilizar vontades, de ultrapassar divergências e de canalizar esforços para o grande objectivo, que é o de evitar que se repitam as tragédias do ano passado.

E está descansado quanto ao que foi feito, para que não se repita?
Já o disse uma vez, ao promulgar precisamente o diploma sobre a agência encarregada de acompanhar (e gerir integradamente) a problemática dos fogos rurais, mas repito-o agora: o que eu desejaria é que a criação de uma nova entidade não significasse a abertura de uma querela institucional, que às vezes é muito portuguesa.

Mas essa entidade, no fundo, só vai ser efectiva a partir de 2019...
Isto para dizer o seguinte: em Outubro fiz a intervenção que fiz, passou muito pouco tempo, foi o tempo que houve — seis meses. Agora há que canalizar todos os esforços para que corra bem este ano, este Verão, este Outono. Portanto, da minha boca não se ouvirá nada que signifique colocar o que seja de um pauzinho num engrenagem que interessa que funcione bem para os portugueses em geral, para Portugal.

E vai de férias? Ou vai ficar em vigilância durante o Verão?
Estou sempre em vigilância. Estou eu, está o primeiro-ministro, estão os deputados. Quem exerce funções políticas hoje... isso tem que ver com o tal tempo político. Este tempo político não tem nada que ver com o tempo político do tempo em que fui líder do PSD ou que estive no Governo, há 30 e tal anos. É um tempo muito mais acelerado e, portanto, tem de se estar vigilante todos os dias, porque não sabemos o que é que acontece lá fora, o que é que acontece cá dentro. Todos os dias, nas mais diversas áreas de possível intervenção. Se isto é assim para um Presidente da República, imaginem o que é para o poder executivo.

Mas então não nos diz, sequer, se está descansado quanto às medidas tomadas para evitar um Verão...
Não, o que lhe posso dizer é que todas as medidas que me foram apresentadas como sendo necessárias foram promulgadas. Que acompanhei e acompanho tudo o que entretanto me foi sendo apresentado ou comunicado, e ia sendo feito, para enfrentar a questão. Como sabem, é uma questão que tem várias frentes: uma frente preventiva — e que mobilizou os portugueses de facto. Não só as autarquias, mobilizou os proprietários, mobilizou os portugueses em geral, que por uma vez mostraram uma atenção redobrada em relação a esta matéria...

... está a falar da limpeza das matas...
... tem que ver com os mecanismos de reacção, ou de resposta, que venham a ser encontrados. Sabemos que há trabalhos que são de fôlego mais longo, é o caso do grupo constituído para apresentar propostas a prazo, e que será apresentado logo que esteja pronto (mas também já sabíamos que não seria para este Verão, veremos se para o ano que vem ou para o seguinte). Houve intervenções mais a curto prazo e intervenções mais a médio-longo prazo. Tudo num espaço de tempo muito curto. O que posso testemunhar é o seguinte — e penso que estou a ser justo —, encontrei, quer da parte do primeiro-ministro, quer o ministro da Administração Interna, do Governo como um todo, quer da parte dos partidos sem excepção, uma preocupação, uma atenção e um empenho enorme nesta matéria. Cada um de acordo com as suas ideias, com a sua visão da realidade. Portanto, não é por falta de empenho que se pode dizer que o tema não está numa posição central no espírito dos portugueses. Está, os portugueses estão atentos a isso. Só espero, só esperamos, que o resultado seja positivo.

Acha que, do ponto de vista de meios e de capacidade de resposta, estamos mais preparados?
Que o país, de facto, acordou para o problema e procurou novos meios e novas capacidades de resposta, para além das que existiam, acho que sim. E isso aconteceu a todos os níveis. Acho que aconteceu nas autarquias locais, até a nível da administração central e do Governo. Isso é indiscutível. Só esperamos que seja mais do que suficiente para enfrentar o que porventura tenhamos de enfrentar.

Registo que o sr. Presidente não nos quer dizer que está descansado relativamente ao cenário que aí vem...
Se me pergunta se não estou convicto de que houve actuações, que foram aquelas que foram consideradas por todos como as indispensáveis para que corra bem, houve. Houve. Agora, seria uma inconsciência minha  dizer que garanto que não vai acontecer isto, ou aquilo... Há calamidades naturais em relação às quais não é possível dar garantias. Naquilo que dependa da intervenção humana, no plano legislativo parlamentar, no plano político-partidário, no plano governamental, tenho a noção de que todos fizeram o que era necessário fazer e era possível fazer neste período de tempo. Por isso é que os partidos...

Mas há coisas que não estão na mão dos partidos. Os problemas com meios de combate aéreos, a coordenação das várias forças no terreno. Os vários relatórios [sobre as tragédias de 2017] assinalam muitas fragilidades no combate do ano passado.
Isso existe e conhece-se.

E a pergunta é se está ultrapassado.
... Isso existe e conhece-se. Todos temos uma fundada expectativa — nem é só esperança, é expectativa — de que tenham sido retiradas lições e que aquilo que vivemos não seja vivido novamente. E nem é este ano só, é que não seja vivido no futuro, naquilo que depender de nós.

Vou relembrar uma passagem da sua intervenção de 17 de Outubro [a seguir à segunda tragédia], que foi uma das mais relevantes do seu mandato até ao momento, em que disse que “o Presidente estará atento e exercerá todos os seus poderes, para garantir que, onde existiu ou existe fragilidade, ela terá de deixar de existir”. Se se repetir uma tragédia como a do ano passado, o Governo tem condições para continuar?
É um cenário que não se coloca no meu espírito. Não vai acontecer.

Não vai acontecer o Governo sair?
... Mas diria que não é essa a parte mais importante da minha intervenção (se o próprio pode comentar a sua intervenção). A parte mais importante é eu ter dito que é tão importante, tão fundamental esta matéria, que eu disse que é fundamental para o próprio juízo que o Presidente fará sobre o seu mandato presidencial. Como quem diz, quando eu avaliar, em meados de 2020, o mandato presidencial — portanto, olhar para o passado — e depois também avaliar ou não a existência de um dever de consciência...

Será um dos critérios para ponderar a recandidatura?
É decisivo. O que eu quis dizer é que é decisivo. Dito por outros termos: voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, nos anos que vão até ao fim do meu mandato, isso seria, só por si, no meu espírito, impeditivo de uma recandidatura.

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