Ermanno Olmi (1931-2018), cineasta do povo italiano

O cineasta italiano autor de A Árvore dos Tamancos morreu nesta segunda-feira aos 86 anos.

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REUTERS/Tony Gentil

Morreu o cineasta italiano Ermanno Olmi, aos 86 anos, no hospital de Asiago, em Veneto, nesta segunda-feira. Era conhecido do grande público sobretudo por A Árvore dos Tamancos, um filme de 1978, porventura o título mais célebre da sua obra, vencedor da Palma de Ouro no festival de Cannes. Mas há muitos mais títulos marcantes numa filmografia iniciada nos anos 50 e encerrada em 2014, com Torneranno i Prati, passado nas trincheiras da I Guerra Mundial, e que como a maior parte da obra de Olmi ficou sem estreia comercial em Portugal.

Se é o mais emblemático dos seus filmes, A Árvore dos Tamancos também condensa alguma das principais características do cinema de Olmi. Uma procura de autenticidade, às vezes semi-documental, que o levava a escolher preferencialmente actores não-profissionais, e uma atenção à cultura popular italiana, à vida dos camponeses e operários, a que ele chamava a “cultura da sobrevivência”.

A Árvore dos Tamancos restitui o dia a dia de uma comunidade rural da zona de Bergamo, no norte de Itália (de onde Olmi era originário), no século XIX, e é interpretado por autênticos camponeses, e falado no dialecto regional. Em parte por isto, chamou-se muito a Olmi um herdeiro do neo-realismo, se não mesmo o mas legítimo herdeiro dessa “escola” fundamental no cinema italiano – e era epíteto que ele não renegava, ou que não o incomodava, a ele que fora amigo de Roberto Rossellini e confessava ter aprendido tudo ou quase tudo com o autor de Alemanha, Ano Zero (que foi, dizia o Olmi, o filme com que o cinema se lhe revelou, era ele adolescente). Era ainda um cineasta atento à religiosidade popular, segundo uma perspectiva católica que sempre cultivou – tem por exemplo uma biografia de João XXIII, E Viene un Uomo – e que também contribui para a sua singularidade.

A sua origem familiar era humilde e campesina, e quando o pai morreu durante a II Guerra Olmi teve que abandonar a escola para ir trabalhar. Nos anos 50, com vinte e poucos anos, tornou-se empregado da companhia de electricidade estatal italiana, e foi nesse âmbito que se iniciou no cinema, rodando vários pequenos filmes de publicidade institucional para a empresa. Certa vez, meio às escondidas, e beneficiando do isolamento de uma rodagem nos Alpes durante o Inverno, arriscou um pouco mais, e o que devia ser outro pequeno filme sobre uma barragem tornou-se uma longa-metragem sobre dois homens, trabalhadores da barragem, em total solidão.

Foi Il Tempo si è Fermato, de 1959, e mudou a vida de Olmi. Foi seleccionado para Veneza e deu nas vistas de críticos e espectadores. Os seus patrões na empresa de electricidade não se importaram nada com o pequeno “abuso” (como publicidade, saiu-lhes melhor do que a encomenda) mas Olmi deixou de precisar de ser “empregado” e tornou-se cineasta, “autor”, a tempo inteiro.

Nos anos seguintes rodou outros maravilhosos filmes que definitivamente estabeleceram o seu estatuto – como Il Posto (1961), sobre as agruras de um jovem à procura de emprego, e I Fidanzati (1963), sobre um operário milanês deslocado para a Sicília que mantém uma relação à distância com a noiva, que ficou em Milão.

Depois de A Árvore dos Tamancos, no seu período de maior popularidade, filmou os Reis Magos (Cammina, Cammina, em 1983), e num dos seus filmes mais insólitos, adaptou uma história de Joseph Roth, A Lenda do Santo Bebedor, uma rara ocasião em que trabalhou com vedetas de calibre internacional (Rutger Hauer, Anthony Quayle). Esse também foi um dos poucos filmes de Olmi estreados em Portugal, e seriam precisos mais de quinze anos para isso voltar a acontecer, com Cantando por Trás das Cortinas, uma fantasia histórica sobre a pirataria nos mares asiáticos, protagonizada por Bud Spencer, e mergulhada numa vontade de recuperação/evocação do espírito do cinema popular, aventuroso, de outras décadas.

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