Entre discórdia e aclamação, há quem queira desculpas e quem defenda o humor de Michelle Wolf

A humorista Michelle Wolf foi acusada de ser “obscena” e da sua actuação ter sido “uma vergonha”; muitos exigem um pedido de desculpa pelas piadas que fez na noite de sábado. Num jantar que celebra a liberdade de expressão, houve também quem saísse em sua defesa.

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Ainda que Trump não estivesse presente na cerimónia, várias piadas da humorista Michelle Wolf foram-lhe dirigidas Reuters/AARON P. BERNSTEIN

Sábado foi dia do jantar de correspondentes da Casa Branca, uma iniciativa anual que pretende pôr em evidência a importância do jornalismo e da Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que defende a liberdade de imprensa. Este ano, tal como nos anteriores, o evento contou com a presença de uma humorista: o nome escolhido foi Michelle Wolf que, num monólogo de quase vinte minutos, conseguiu atingir quase tudo e todos com os seus laivos de crítica e humor: a começar pelo Presidente Donald Trump à secretária de imprensa Huckabee Sanders, não esquecendo os jornalistas. As reacções, claro, não foram unânimes: há quem defenda o discurso de Wolf e a liberdade que tem para o fazer, mas há também quem o critique, dizendo que não é adequado ou que foi longe de mais.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, estava presente no jantar, a poucos centímetros de Wolf, e foi um dos alvos escolhidos no seu discurso humorístico. E foi também a razão que fez com que mais críticas chovessem para os lados da humorista: acusam-na de ter atacado a sua aparência física e a sua competência laboral. “Eu gosto muito da Sarah. Acho que ela é muito engenhosa. Queima os factos e depois usa aquele cinza para criar um olho esfumado perfeito [maquilhagem]”, atirou Wolf no jantar de correspondentes.

As reacções vieram mais tarde: “Que a secretária de imprensa tenha ficado sentada, sujeitando-se a um criticismo da sua aparência física, do seu desempenho no trabalho e assim por diante, em vez de ter abandonado em plena televisão nacional, é impressionante”, elogiou a jornalista do New York Times, Maggie Haberman. Wolf respondeu-lhe: “Hey, Mags! Todas estas piadas foram sobre o seu comportamento desprezível. Mas parece que tens algumas apreciações sobre a sua aparência, uh?”.

“Porque é que estão a tornar isto numa discussão sobre a aparência da Sarah?”, indagou ainda Wolf no Twitter, face a outras críticas de que Wolf tinha atacado a aparência física de Huckabee. “Eu elogiei a sua maquilhagem dos olhos e a sua engenhosidade quanto aos materiais.”

Na própria sala, as reacções diferiam: tanto havia quem se risse, mesmo quando era o alvo da troça, como quem se mantivesse incólume, sem qualquer rasgo de sorriso no rosto. O antigo porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, disse que o jantar tinha sido uma “vergonha”. Michelle respondeu ao seu tweet com um “obrigada!”.  

“O que precisava de ser dito”

Por entre a discórdia, houve também quem defendesse Wolf: “Poucas pessoas vão a DC e conseguem aquilo que pretendem enquanto permanecem fiéis a si mesmos. A Michelle Wolf é uma dessas pessoas”, escreveu o apresentador Seth Meyers, que foi o comediante escolhido para o jantar de correspondentes em 2011. Também Jimmy Kimmel (que apresentou o jantar em 2012) admitiu que Wolf tinha sido genuinamente engraçada — e que deveriam contratar um malabarista no próximo ano se o objectivo for somente entreter. “Quão egocêntricos podem ser para convidar uma humorista e depois ficar ofendidos por ela fazer piadas sobre as pessoas ricas, famosas e poderosas na sala?”, escreveu por sua vez o jornalista norte-americano Glenn Greenwald.

Em comunicado, a Associação de Correspondentes da Casa Branca (WHCA, na sigla original inglesa), liderada por Margaret Talev, distanciou-se das declarações de Wolf ao afirmar que o propósito do programa de sábado era ter uma “mensagem unificadora” sobre a vontade comum de ter uma imprensa livre e dinâmica, e não que servisse para dividir as pessoas. “Infelizmente, o monólogo da animadora não estava no espírito dessa missão.” No Instagram, a humorista publicou uma fotografia sua com a descrição “not in the spirit of the mission”, em referência às palavras de Talev.

Em relação aos pedidos de desculpa exigidos a Wolf, a humorista Kathy Griffin disse que tal era “absurdo”. “Ela disse o que precisava de ter dito”, afiançou, numa série de tweets sobre a actuação do jantar de correspondentes, que também já tem gerado controvérsia em anos anteriores.

"Graças a Deus, não o tenho de ouvir a comer"

Já no jantar anual no ano passado, Donald Trump não compareceu. Antes de Trump, o último Presidente a ausentar-se do evento tinha sido Ronald Reagan, depois de sofrer uma tentativa de assassinato em 1981. “Pensei, graças a Deus, não o tenho de ouvir a comer”, comentou Wolf ao New York Times, em relação à ausência do Presidente. “Não se diz o que as pessoas querem que se diga”, explicava ainda a humorista nessa entrevista dada ao jornal norte-americano, antes da cerimónia.

Entre várias referências a Trump, Wolf disse que o Presidente era racista. “Ele adora supremacistas brancos, que é um termo engraçado para nazi. É como chamar a um pedófilo um amigo das crianças ou a Harvey Weinstein um cavalheiro.”

O alvo dos gracejos, Donald Trump, disse na sua rede social predilecta que o jantar de correspondentes deste ano foi “uma vergonha para todos os que estão ligados a ele”. À humorista chamou-lhe “obscena”, acusando-a de ter falhado por completo a sua actuação. E recomendou que o jantar fosse suspenso ou pensado noutro formato.  

No meio das suas considerações acutilantes, Wolf deixou ainda uma menção à imprensa. “Vocês são obcecados com o Trump. Costumavam namorar com ele? Porque fingem que o odeiam, mas acham que o amam. Acho que o que ninguém nesta sala quer reconhecer é que o Trump vos ajudou a todos. Ajudou-vos. Ajudou-vos a vender os vossos jornais e os vossos livros e a vossa televisão. Vocês ajudaram a criar este monstro e agora estão a lucrar com ele.”

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