Hoje houve uma revolução – e como o 25 de Abril, um dia, será uma história de amor

O valor do voto, da escolha, da opção, não pode nunca ser menorizado. Não pode ser confundido com uma notícia de jornal. Não pode ser maltratado num arrufo de desamor contra uma personagem pública de ocasião.

Uma amiga contava-me que, fazendo um trabalho de pesquisa que envolveu a descoberta e a leitura de diários de adolescentes portugueses dos anos 70 e 80, num deles lia-se simplesmente, marcado o dia 25 de Abril de 1974:

— “Hoje houve uma revolução.”

E o texto logo continuava, despreocupadamente, versando sobre os dramas pessoais e as emoções mal – bem? – resolvidas dos 15 anos ou idade próxima.

É isso a afamada falta de consciência dos momentos em que a História nos passa diante dos olhos, ocupados, dizimados, que estamos pelo nosso quotidiano de gestos supostamente mais pequenos e rotineiros? Não creio. Parece-me uma outra coisa, mesmo que não o seja. Parece-me, pelo contrário, a mais clarividente escolha de que falar de uma revolução não pode ser colocá-la no altar das coisas inatingíveis e incompreensíveis, tema de fé ou de abismo. A revolução está sempre entre nós – e esta ensinou-nos isso. Onde alguns podem ver a banalização dos deuses mortos, outros verão sempre vida. Como um dia que acorda depois do outro, esse extraordinário golpe.

Como dizia um político, aos homens que nasceram sem património, sem uma família que os ampare, sem agenda de contactos e sem relações convenientes, a sua única defesa perante o infortúnio e a favor de uma ideia de justiça é a própria política e o seu voto. Ou, se quisermos, a Política. Para os demais, a vida será sempre mais fácil, mais doce. Para estes, por estes, que são a maioria, é que se faz a decisão política. E por isso mesmo o valor do voto, da escolha, da opção, não pode nunca ser menorizado. Não pode ser confundido com uma notícia de jornal. Não pode ser maltratado num arrufo de desamor contra uma personagem pública de ocasião. Não pode ser visto como uma escolha de supermercado.

E pode até ser que um dia o 25 de Abril seja contado como uma grande história de amor, essa vitória inequívoca sobre o tempo: a notícia de como alguns gostavam tanto do seu país que tiveram de o libertar de outros e até da sua própria conveniência e mansa quietude. Esse seria o seu melhor destino. Aproveito de Eugénio de Andrade a ideia de que afinal “nenhum amor é estéril, um filho pode ser uma estrela ou ser um verso”. Ou ser até um país novo.

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