Despedimentos e liberdade de expressão

A liberdade de expressão dos empregados face aos empregadores é uma questão sempre actual.

O dirigente sportinguista Bruno de Carvalho decidiu, anteontem, retirar os processos disciplinares que tinha instaurado contra os jogadores por terem “manchado o bom nome do presidente do clube” ao publicarem um comunicado nas redes sociais em que criticavam a sua actuação; ao mesmo tempo, o presidente da companhia de aviação Ryanair ameaça levar a tribunal o sindicato de tripulantes de cabine por considerar que o nome da companhia está a ser “manchado” com as declarações públicas dos representantes do mesmo sindicato.

A liberdade de expressão dos empregados face aos empregadores é, assim, uma questão sempre actual e cujos contornos e limites têm de ser discutidos e definidos em cada caso concreto em que tal conflito se levanta, como aconteceu no processo decidido pelo Tribunal da Relação de Évora no passado dia 8 de Março.

Os empregados de um hotel no Algarve pretendiam melhores condições de trabalho, nomeadamente aumentos salariais que já não se registavam há anos ao mesmo tempo que viam, nos períodos de mais trabalho, serem contratados trabalhadores precários e estagiários. E, tendo apresentado as suas reivindicações à entidade patronal, aprovaram em plenário um comunicado que foi distribuído aos clientes e pessoas que nesse dia se encontravam nas instalações do hotel. No comunicado, com o título “O hotel está a aumentar a exploração e a empurrar-nos para a pobreza”, constavam as expressões “enquanto a repressão tem vindo a aumentar” e “há oito anos que não há aumento de salários, não é pago o trabalho suplementar e aumentou a precariedade”. A entidade patronal não gostou do que considerou serem “comportamentos ofensivos, desprimorosos e difamatórios” e instaurou processos disciplinares aos três sindicalistas que tinham convocado o plenário e distribuído o comunicado, terminando os mesmos com o despedimento dos três com justa causa.

Recorreram os sindicalistas ao tribunal alegando que o seu despedimento tinha sido ilegal e, não pretendendo a sua reintegração na empresa, pediam que a entidade patronal fosse condenada a indemnizá-los nos valores máximos previstos na lei. A entidade patronal respondeu defendendo a legitimidade dos despedimentos face à gravidade dos comportamentos em causa.

O processo correu, na 1.ª instância, pelo Tribunal de Faro, que confirmou o despedimento por considerar que a distribuição do comunicado com as expressões em causa constituía justa causa de despedimento que a lei define como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral”.

Recorreram os três sindicalistas para o Tribunal da Relação de Évora que, pela pena dos juízes desembargadores Moisés Silva, João Luís Nunes e Paula do Paço, teve outro entendimento. Embora sublinhando que a liberdade de expressão dos trabalhadores e dos seus representantes legais não constitui um direito absoluto, a Relação de Évora considerou que as expressões utilizadas no comunicado, para além das afirmações de factos que não eram falsas, configuravam “o direito à crítica, mordaz e incisivo”, que ia “além do que seria admissível”, mas que no contexto em que tinha sido produzido, e em que tinham estado envolvidos outros trabalhadores que não tinham sido objecto de processo disciplinar, não revelavam uma gravidade tal que tornasse “imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral”, como a lei exige. E consideraram, assim, ilegítimos os despedimentos. Mas, ao fixar as indemnizações a serem pagas, o tribunal não aceitou o pedido dos sindicalistas e reduziu a mesma dentro dos limites legais, por considerar que a conduta daqueles, embora não justificasse a sanção de despedimento, não era “totalmente isenta de responsabilidade”.

Moral desta e de outras histórias: para os trabalhadores, as consequências de criticarem publicamente a entidade patronal são potencialmente perigosas mas as entidades patronais também têm de ponderar se se justificam os despedimentos quando os trabalhadores “falam demais” ou “falam mal”, sob pena de terem de abrir os cordões à bolsa.

A fronteira do permitido e não permitido neste campo é uma linha imaginária que só se torna visível e real nos tribunais.

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