Centeno é a Estrada da Beira, não é a beira da estrada

O ministro das Finanças é, por definição legal, o responsável por "conduzir a política financeira do Estado e as políticas da Administração Pública".

Há uma expressão portuguesa que ainda há pouco tempo foi repetida por um ex-ministro em tribunal, dirigindo-se ao Ministério Público. “É preciso não confundir a Estrada da Beira com a beira da estrada.” Foi mais ou menos o que fiz quando ouvi Adalberto Campos Fernandes dizer, na Assembleia da República: “No Governo, somos todos Centeno.”

Talvez tenha interpretado mal – mais do que ter feito confusão. O que aquela frase esconde é uma verdade indesmentível: o Governo é Centeno. No Governo, Centeno é todos. Ou quase. É o ministro das Finanças com plenos poderes em matéria de cativações, o que significa que pode mandar em quase tudo. Na Saúde, na Economia, na Educação, na Cultura. É da assinatura dele que dependem as despesas mais importantes. Ele é a Estrada da Beira, não é a beira da estrada.

Nada disso é novo. Na Lei Orgânica do XXI Governo Constituiconal lê-se que o ministro das Finanças "tem por missão formular, conduzir, executar e avaliar a política financeira do Estado e as políticas para a Administração Pública, promovendo a gestão racional dos recursos públicos, o aumento da eficiência e equidade na sua obtenção e gestão, e a melhoria dos sistemas e processos da sua organização e gestão”.

A lista de atribuições do governante é enorme. São os nove pontos que constam do artigo 14º do Decreto Lei n.º 251-A/2015 (Lei Orgânica) aos quais se juntam as remissões para outros artigos da mesma legislação e de outras previstas noutros diplomas de governos anteriores.

Mário Centeno parece estar em toda a parte para lá das reuniões do Conselho de Ministros, em Lisboa, e dos concílios do Eurogrupo, no Edifício Justus Lipsius, em Bruxelas. E parece estar em toda a parte porque os ministros das Finanças da UE, sobretudo os que foram capazes de transformar os seus países em bons alunos e exemplos a seguir, tornaram-se políticos todo-poderosos. Desde que não saiam da linha.

O ministro das Finanças não quer sair da linha e têm uma certa razão a esquerda e a oposição quando dizem que, em matéria de défice, Centeno está a ser mais troikista que a troika, numa altura em que "ela" já não anda por cá. O Governo não alivia o cinto, há crianças a fazerem quimioterapia em corredores hospitalares e os portugueses ainda precisam de trabalhar até ao dia 11 de Junho para pagarem os seus impostos – como acontecia em 2015 (antes da troika era a 13 de Maio). Ao mesmo tempo, a meio do ano, o Governo quer reduzir de 1,1% para 0,7% a meta acordada para o défice para 2018. Não admira que a esquerda pressione para aumentar a despesa.

Hoje mesmo, o Governo aprova em reunião de ministros um documento que nada diz à generalidade dos portugueses, o Programa de Estabilidade, mas que pode interferir com a estabilidade governativa. Pode mesmo? Vem aí uma crise? O Bloco saltaria fora da "geringonça" a meses de ser aprovado o último Orçamento do Estado (OE) desta maioria? E o PCP, que não quer ser a peninha no chapéu do Governo, poderia chumbar um orçamento? Até o Presidente acabou a dizer que "uma crise política envolvendo o OE é duplamente indesejável".

Os políticos fazem política. A esquerda bate o pé por mais investimento e enche-se de razões para mostrar o estado do país no osso, como já aqui escrevi. Mas Mário Centeno mostra-se inamovível nas suas pretensões de não falhar metas – já lhe basta a percentagem da dívida estar acima do desejável. Não somos todos Centeno, mas não nos iludamos: Costa "é" Centeno. E é daí que vem a força do ministro das Finanças.

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