Orbán pulveriza oposição e vai continuar a moldar a Hungria

OSCE diz que o palco montado pelos partidos no poder minou aspirações eleitorais da oposição. Triunfo gordo do Fidesz nas legislativas recebido com cautela pelos líderes europeus.

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Coligação liderada por Viktor Orbán renovou maioria no Parlamento da Hungria LEONHARD FOEGER / Reuters

Mais legitimado do que nunca. Dificilmente se pode fazer uma leitura distinta da condição política de Viktor Orbán, depois de a coligação liderada pelo Fidesz ter garantido nova maioria qualificada no Parlamento da Hungria e de ter visto os líderes do Jobbik (extrema-direita) e do MSZP (socialistas) – segundo e terceiro classificados nas legislativas de domingo – apresentarem a demissão, numas eleições que contaram com uma participação elevada.

O partido anti-imigração e o seu parceiro KNDP (cristãos-democratas) agregaram quase 49% dos votos – uma subida de cinco pontos percentuais em relação a 2014 –, que lhes valeram a eleição de 133 deputados, uma nova maioria de dois terços na câmara de 199 lugares e via praticamente livre para prosseguirem o seu plano de reformulação da Constituição e de finca-pé às exigências europeias em matéria de imigração.

“Este é pior cenário possível”, disse a antiga deputada independente Zsuzsanna Szelényi, citada pelo Guardian. “A nova maioria somada à participação elevada significam que o Fidesz se sente mais legitimado e que Orbán utilizará esta nova força nos seus contactos com Bruxelas”, afirma.

A participação fixou-se nos 69%, muito próxima do recorde alcançado pela Hungria desde que em 1989 se separou do bloco soviético.

As sondagens à boca das urnas divulgadas pouco depois da hora agendada para o encerramento da votação – que foi alargada devido à afluência massiva dos húngaros – até sugeriam que Orbán poderia vir a perder a maioria no Parlamento, mas a esperança depositada pelos partidos opositores nesses números foi arrasada com os resultados oficiais, com 98% dos votos contabilizados: 20 deputados eleitos pelo Jobbik, 20 pelo MSZP, nove para DK (liberais) e oito para LMP (verdes).

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Os números parecem atestar a incapacidade de mobilização da oposição, que nunca foi capaz de apresentar um projecto eleitoral credível para competir com Orbán. Mas o enorme fosso entre o Fidesz e os restantes partidos, saído das legislativas, pode não ser apenas o resultado de uma competição de programas políticos. 

Quem monitorizou as eleições diz que há razões para acreditar que os partidos no poder partiram uns metros à frente de todos os restantes. Em conferência de imprensa realizada esta segunda-feira, um elemento da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) apontou o dedo ao Governo de Orbán, na hora de explicar por que é que terreno esteve sempre inclinado a favor da coligação que lidera a Hungria desde 2010.

“Os gastos excessivos do Governo em anúncios para amplificar a campanha da coligação no poder comprometeram a capacidade dos concorrentes em competir nas mesmas condições”, refere Douglas Wake, citado pela Reuters. Também critica o “clima eleitoral adverso” promovido pelo Fidesz: “Os eleitores depararam-se com uma vasta variedade de opções políticas, mas a retórica intimidatória e xenófoba, a parcialidade da comunicação social e o financiamento partidário obscuro constringiram o espaço para poder haver um debate político genuíno”.

As conclusões a que chegou a OSCE já tinham tido avançadas por outros participantes nas eleições, nomeadamente por Ákos Hadházy (LMP), que acusa o executivo de ter investido, nos últimos dois anos, mais de 320 milhões de euros de dinheiros públicos em propaganda destinada a 60% da população húngara. “A eleição não foi uma luta justa”, garante.

Cautela e um aviso

Desde que chegou ao poder há oito anos, o Fidesz tem transformado o sistema político e a Constituição húngara em ferramentas adequadas para a sua manutenção na liderança do Governo. A esta postura acresce uma política de retrocesso de alguns dos princípios basilares do Estado de Direito – como a interdependência e separação de poderes –, a prossecução de dura campanha contra a imigração, um ataque ao trabalho das organizações não-governamentais e um controlo cada vez maior da comunicação social, hoje transformada num megafone de Orbán.

Bruxelas e a grande maioria dos parceiros europeus da Hungria têm olhado com desconfiança para o rumo autocrata seguido pelo Fidesz, pelo que a vitória deste membro do Partido Popular Europeu – o grupo mais representado no Parlamento Europeu – nas eleições de domingo, levou alguns eurodeputados e Guy Verhofstadt (líder dos liberais) a pedirem aos principais dirigentes europeus que se manifestassem negativamente. Estes optaram, no entanto, por discursos cautelosos.

“Como é costume depois de qualquer eleição na Europa, a chanceler congratulou o vencedor pelo seu sucesso nas legislativas húngaras”, contou o porta-voz de Angela Merkel, Steffen Seibert, que optou por deixar para mais tarde as “questões controversas”, nomeadamente a “polícia migratória”. Já o representante de Jean-Claude Juncker limitou-se a dizer que o presidente da Comissão Europeia ligará a Orbán para lhe dar os parabéns e “discutir temas de interesse comum”.

Os principais enaltecimentos ao triunfo do Fidesz vieram de Konrad Szymanski, representante da Polónia – numa deriva iliberal semelhante à Hungria, sob as rédeas do Lei e Justiça – em Bruxelas e de Horst Seehofer, o ministro do Interior alemão e líder do partido irmão da CDU, de Merkel, na Baviera. 

O primeiro disse que a vitória de Orbán é a “confirmação da política de emancipação da Europa Central”, enquanto o segundo aproveitou o momento das felicitações para deixar um aviso à União Europeia: “Sempre considerei errada esta política de arrogância e condescendência [da UE] para com alguns Estados-membros”.

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