“Para Centeno brilhar, os serviços públicos não podem ficar às escuras”

Rever a meta do défice em baixa “é muito perigoso”, diz a líder do BE, que quer usar a margem orçamental para aumentar o investimento público. As conversas sobre Programa de Estabilidade já começaram, mas não vão bem.

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Rui Gaudêncio

“Não podemos deixar para uma próxima legislatura ter condições básicas nos serviços públicos para funcionarem”, alerta Catarina Martins, em entrevista ao PÚBLICO e Renascença, que pode ler aqui ou ouvir às 12h.

O Governo terá que entregar em breve o programa de estabilidade, na AR e em Bruxelas. Já começaram a falar com o Governo sobre isso?
Vamos conversando. Para nós... o Programa de Estabilidade já não tem o peso que teve.

Mas tem condicionado as negociações dos orçamentos com o BE e PCP.
Sim, mas lembramo-nos da altura em que diziam da Comissão Europeia: "Que horror, agora que a esquerda aumenta o salário mínimo, vamos ter um descalabro económico." Este Programa de Estabilidade vai ser entregue noutras condições. Nós sempre dissemos que nos interessa decidir quais são as condições que o nosso país tem para o próximo orçamento, para a economia, mais do que este número europeu que é mais um pró-forma para a pressão política sobre o nosso país. Agora, para nós é importante ligar esta discussão não só à discussão do Orçamento do Estado, mas também pelo que ela também tem de debate sobre o investimento. Sobre o investimento público, sobre o investimento nos serviços públicos e também das opções estratégicas de investimento daqui para a frente. Nós temos um acordo que se provou virtuoso, pelo menos em acabar com os cortes. Acabámos com a economia sempre a encolher e com as pessoas sempre com medo do corte. Isso teve um efeito positivo, mas de facto ainda não debatemos – e acho que devemos debater à esquerda – os problemas estruturais da economia. Tivemos durante décadas acordos de bloco central sobre os investimentos e a estratégia económica para o país. Isso deu-nos décadas de um território a ficar cada vez mais desigual, de uma economia que produz cada vez menos. Alimentámos sectores rentistas (PPP, energia), fomos alimentando o endividamento da economia portuguesa. E descurámos absolutamente desafios de futuro. Achamos que o país devia produzir mais para estar menos susceptível a choque externos. E achamos que os investimentos devem ser debatidos à esquerda, porque à esquerda devemos encontrar novas soluções que tenham em conta não só o desenvolvimento do território, como as questões ambientais, da inovação, da qualificação.

Falava de sectores rentistas, mas aí tem uma divergência de fundo com o PS.
Há divergências de fundo, há mudanças que exigem que haja mais força à esquerda. A história desta legislatura é a história do confronto entre o PS e os partidos à sua esquerda. A direita ficou enredada no seu próprio passado e na sua incapacidade, sem ter alternativa económica ao que se está a passar. E, portanto, a história da legislatura fica nas tensões entre o PS e os partidos à sua esquerda. O BE tem estado a protagonizar parte dessas tensões – e a energia é uma dessas medidas. Nós conseguimos medidas muitas reduzidas, mas é tão pouco que as pessoas ainda não sentem na factura. Temos o problema na Saúde, na questão das PPP: neste momento, o que existe é um monstro que está a sugar serviços do SNS e a negar condições de acesso à saúde a toda a população. O SNS está em risco de ter falta de profissionais, de falta de meios, porque o Estado está a alimentar o monstro que o suga, que é a saúde privada. Mas o debate sobre os serviços públicos não se esgota só no próximo Orçamento, vamos ter momentos de debate diferente.

Tais como?
Vamos ter o debate sobre a Lei de Bases da Saúde. Mas há depois o problema orçamental real, durante este ano e no próximo Orçamento, sobre o investimento nos serviços públicos. Porque nós não podemos deixar para uma próxima legislatura ter condições básicas nos serviços públicos para funcionarem, da educação, da saúde, de todos eles. Tem que ser feito agora.   

Ainda sobre o Programa de Estabilidade: o défice do ano passado ficou em 0,9% (fora a CGD) e a meta deste ano é de 1%. O BE aceita que o Governo reveja em baixa o défice deste ano?

Nós achamos muito perigoso esse percurso. Convenhamos, todos nós queremos que não haja défice. O problema é: quais são os caminhos que utilizamos para consolidar orçamentalmente o país. E nós achamos que consolidar à velocidade que está a ser feito, sem ter resolvido o problema da dívida pública, está a significar uma contracção da despesa em sectores fundamentais, que se fazem sentir. Não sou eu que o digo: o porta-voz do PS falava do perigo dos brilharetes de Mário Centeno.

Mas a número dois do PS respondia aqui, numa entrevista, que não são brilharetes, o que o Governo está a fazer é ter rigor.
Não, porque rigor era cumprir as metas. E está a ir para lá das metas. Quer dizer que há investimento na saúde, na educação, território, segurança, que não é feito.

Por isso perguntava se aceita que o Governo reveja em baixa o objectivo. Ou até que Mário Centeno imponha um défice zero em 2019.
O Governo devia rever claramente era as suas metas de investimento na saúde e educação, como noutros serviços públicos. O PIB está a crescer e o nosso investimento em sectores essenciais é cada vez mais baixo. E é preciso ter cuidado, porque nós não podemos deixar que, para que Mário Centeno possa brilhar, os serviços públicos fiquem às escuras.

Portanto, "não somos todos Centeno", para o BE?
Essa é uma afirmação um pouco infeliz do ministro da Saúde. Seria grave acharmos que todos os sectores do Estado estavam a ser geridos tendo em conta os objectivos de défice do ministro das Finanças e não os objectivos próprios, de desenvolvimento e resposta a essas áreas.

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