Observatório quer que Forças Armadas possam intervir em situações de terrorismo e crime organizado

Cooperação das Forças Armadas com as forças de segurança deve ser feita sob alçada civil, não militar, defende o presidente do Observatório de Segurança. Também o antigo ministro Rui Pereira diz que é necessário repensar a relação entre a Defesa e as forças de segurança, com vista à actuação concertada em casos extremos.

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O Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) defende que as Forças Armadas devem intervir em “situações extremas como o crime organizado ou o terrorismo”, juntamente com as forças de segurança. E que neste cenário de cooperação a chefia deve ser civil, não militar, entende o presidente do organismo, António Nunes.

O que o OSCOT sugere é uma alteração legislativa que permita às Forças Armadas intervir em acções para as quais as polícias “não têm capacidade” por falta de meios materiais ou humanos. “Muitas vezes o que estamos a pedir é que se rearme, outra vez, as nossas polícias para acções muito mais musculadas que não são ao nível de polícia, mas já são níveis militares”, justificou o presidente do observatório, que gostava de ver esta mudança concretizada “a muito curto prazo”. António Nunes falava aos jornalistas à margem da conferência Summit OSCOT 2017, dedicado ao tema O Terrorismo na Europa, que se realizou nesta terça-feira, em Lisboa.

Este tipo de cooperação acontece já com alguma tipologia de crimes, como no que diz respeito às situações em águas internacionais, em que a Marinha intervém, e na vigilância de fronteiras aéreas feita pela Autoridade Aeronáutica Nacional, reforçou o dirigente. “O que podemos é potencializar a acção militar sob a tutela civil”, nomeadamente com alçada no ministro da Administração Interna ou no primeiro-ministro, sugeriu António Nunes.

“Em todos os países da Europa, as Forças Armadas têm um papel mais interventivo do que em Portugal. A nossa Constituição separa muito. Mas se olharmos para o âmbito do safety, vemos as Forças Armadas a participarem activamente em acções de protecção civil. Porque não alargar a situações extremas?”, questionou.

Já o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, destacou "a cooperação intensa" que Portugal mantém com estruturas internacionais no âmbito do combate e prevenção ao terrorismo.

"Portugal tem privilegiado" a "cooperação intensa" no âmbito do quadro europeu, como a Europol, Eurojust e Frontex, quer num contexto mais amplo, como a Interpol, contribuindo para "um esforço quer de prevenção, quer de intervenção da salvaguarda daquilo que são padrões elevados de segurança".

A necessidade de repensar a relação entre a Defesa e as forças de segurança, com vista à actuação concertada em casos de terrorismo e crime organizado, foi também uma das questões lançadas por Rui Pereira. “Hoje a ameaça terrorista não é apenas algo que se situa na esfera criminal. O Daesh ensinou-nos isso”, afirmou aos jornalistas o antigo ministro da Administração Interna e ex-presidente do OSCOT.

Rui Pereira considera que a Constituição já permite, “mesmo que não haja estado de sítio ou estado de emergência”, que “as Forças Armadas possam intervir sempre que haja ameaça à Defesa”, como acontece em casos de terrorismo transnacional. As operações devem, por isso, ser articuladas entre a chefia das Forças Armadas e a Secretaria-Geral do Sistema de Segurança Interna, preparadas politicamente pelo Governo e ter luz verde do Presidente da República, enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, defendeu.

Lições da guerra contra o terrorismo

Para Rui Pereira esta é uma das lições a retirar da guerra em curso contra o terrorismo. Outra é a necessidade das autoridades desenvolverem trabalho encoberto para desmantelar as organizações terroristas. Defendeu igualmente o reforço da cooperação a nível europeu e internacional, sugerindo a criação de uma agência europeia de informação, e a constituição de um tribunal internacional com competência para julgar crimes de terrorismo. E alertou para a necessidade de “tornar a Internet um espaço de segurança e não apenas de liberdade”. “É inadmissível que seja utilizada livremente para atentados terroristas, para fazer apologia do terrorismo ou para ensinar, por exemplo, a fabricar bombas”, exemplificou.

Até à data, as autoridades não têm indícios que apontem para que esteja a ser preparado um atentado em Portugal ou que alguma célula terrorista se tenha instalado no país, pelo que a classificação da ameaça terrorista se mantém moderada. O que, na opinião de António Nunes, não quer dizer que “dada a nova metodologia de alguns lobos solitários” que actuam sem motivações políticas ou militares, esteja excluída a possibilidade de atentado. “Mas não é previsível”, acrescentou.

O que se verifica em Portugal "é a existência de alguns grupos ou indivíduos que estão radicalizados, que participaram ou ajudaram em actos terroristas”, detalhou o presidente do OSCOT. A sinalização e acompanhamento dos potenciais terroristas deve ser, para o dirigente, o cerne da discussão sobre o terrorismo na Europa: “Como é que, estando identificado um elevado número de radicais, podemos fazer um acompanhamento permanente” para evitar que cometam actos terroristas?”.

Admitindo que, muitas vezes, “as forças e serviços de segurança têm essa listagem referenciada mas não têm capacidade para fazerem um acompanhamento 24 horas, 365 dias por ano”, António Nunes chamou, contudo, à atenção para o facto de actualmente se assistir a um “incremento dos poderes policiais de controlo dos cidadãos”.

Extrema-direita sem orientação política

Questionado sobre a preocupação espelhada no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) com os grupos de extrema-direita no país, António Nunes acredita que estes não são “uma preocupação para a segurança de Portugal”, destacando o facto de a maioria “não ter uma orientação política”. “Tratam-se muitas vezes de atitudes marginais à sociedade e portanto não podem ser considerados ou valorizados como um instrumento de combate político. E nesse sentido são normalmente residuais e temporários”, justificou.

O RASI destaca a violência como um “traço marcante” destes grupos, dando atenção aos incidentes registados, “nomeadamente agressões a militantes antifascistas”, e o envolvimento de militantes do movimento skinhead neonazi em actividades criminosas. Manifestações que, diz o presidente do OSCOT, não implicaram “até hoje uma preocupação acrescida em termos da segurança colectiva”, em Portugal.

Ainda sobre o relatório divulgado na passada quinta-feira, o OSCOT alerta novamente para o facto destas estatísticas se referirem apenas à criminalidade participada. António Nunes defende a criação de instrumentos estatísticos complementares que permitam entender a totalidade da criminalidade no país.

Sugere ainda a inclusão no RASI dos inquéritos de vitimologia, para dar as autoridades a percepção de segurança ou de insegurança das populações e qual a sua postura face às políticas existentes. “Nós entendemos que Portugal é um país seguro, queremos é perceber se o sentimento de segurança das populações está reflectido nesse relatório”, afirmou.

De resto, o relatório que regista a diminuição em quase 9% da criminalidade violenta é para o responsável do OSCOT “um descanso”. António Nunes nota que tal reflecte o trabalho dos serviços de segurança e de informações. Mas deixa o alerta: “É preciso dar algum tempo para a consolidação deste tipo de políticas, porque muitas das vezes bastará um caso de um bando organizado estar em Portugal durante algum tempo para esse número poder vir a alterar”.

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