Sauditas nucleares?

Riad poderá dar início a uma corrida ao armamento no Médio Oriente.

A Arábia Saudita é um elemento estratégico para a estabilidade regional. Consciente desse papel — tendo como pano de fundo o crescendo iraniano e o reconhecimento de Jerusalém como capital —, bin Salman foi a Washington pedir concessões. Uma delas é a possibilidade de enriquecer urânio em troca de tecnologia nuclear americana: um processo que tanto pode produzir combustível como armas. Riad poderá assim dar início a uma corrida ao armamento no Médio Oriente.

O contexto:

A 14 de Março, o príncipe saudita aprovou um programa nuclear. Nos próximos 20 anos, o reino prevê construir 16 reactores de 65 mil milhões de dólares. Aparentemente, o objectivo será o de reduzir a dependência em relação ao petróleo. E não foi inocente este programa ter sido anunciado dias antes da sua visita aos EUA. A política aprovada limita a actividade nuclear para fins unicamente pacíficos. Contudo, no dia seguinte, esta percepção mudou.

Numa entrevista à CBS News, bin Salman afirmou que os sauditas desenvolveriam armamento nuclear, caso o Irão avançasse primeiro nessa direcção. Ou seja, a decisão para produção energética é uma política a longo prazo. Mas o aviso sobre o desenvolvimento de armas nucleares, ainda que contingente, tem um contexto mais imediato. Portanto, as duas principais preocupações que impelem os sauditas para um programa nuclear parecem agora ser a energia e a segurança. Sobre isto, convido então o leitor a equacionar três variáveis na análise deste facto.

As variáveis:

a) Destruição mútua assegurada. Até há pouco tempo, os sauditas insistiam que os seus mísseis balísticos de fabrico chinês, os CSS-5, só carregariam ogivas convencionais. Mas o alerta de bin Salman indica que estão prontos a mudar essa prerrogativa caso os iranianos adquiram armamento nuclear. Estabelece-se assim um compromisso de destruição mutuamente assegurada. É uma garantia de que qualquer actividade com armamento nuclear iraniano será desafiada regionalmente. Se o Irão optar por armas nucleares, o reino não terá outra escolha senão fazer o mesmo ou aceitar o domínio regional pelo Irão persa e xiita. Podemos também ver no aviso do príncipe uma manifestação para a auto-suficiência militar na defesa saudita — Mohammed parece não confiar numa segurança nuclear dependente dos EUA ou da NATO.

b) Proliferação nuclear e renegociação do acordo iraniano. Não estamos na iminência de uma corrida ao armamento nuclear, mas devemos considerar que atrás de Riad é admissível que venham outros estados árabes e a Turquia. Isto não deixa de ser um revés para os defensores da não-proliferação. E é muito provável que o príncipe venha a ser alvo de críticas significativas por parte dos activistas da não-proliferação e dos signatários europeus do Plano de Integrado de Acção Conjunta, conhecido como o acordo nuclear do Irão. Ou seja, esta declaração também pode ser interpretada como encorajamento para quem quer renegociar o acordo, como o caso de Trump.

c) A instabilidade interna e externa. É preciso ter em atenção os desafios internos e externos que Riad enfrenta. Bin Salman é um reformista que não agrada aos poderes instalados. O seu magistério poderá ser errático ou curto. Esta volubilidade pode levar a que os activos nucleares sauditas caiam nas mãos erradas. E não é necessário ter o Irão como exemplo para ver que a cooperação nuclear com um antigo aliado do ocidente — há mais de 50 anos — continua a assombrar a UE, os EUA e Israel. O Médio Oriente está em constante fluxo geopolítico. Como tal, é possível que os interesses sauditas possam ficar desalinhados com os dos EUA e da UE. Neste caso, a nuclearização do reino poderá representar uma ameaça existencial à segurança dos Estados ocidentais e de Israel. Mais ainda: caso não se chegue a um acordo com os EUA, é muito provável que os sauditas obtenham outra ajuda no desenvolvimento ou aquisição de tecnologia nuclear. Na frente perfilam-se o Paquistão, a China ou a Rússia, que já colabora na construção de centrais nucleares na Turquia e no Egipto. O Irão, por sua vez, dependerá de ajuda norte-coreana.

Ou seja, será do interesse norte-americano e europeu apoiar a Arábia Saudita na sua diversificação económica e energética, ao mesmo tempo em que se mantém uma relativa ingerência no país e se limita a sua capacidade de desenvolver uma arma nuclear.

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