Discurso de ódio no Facebook aumentou durante a crise Rohingya

Histórias falsas de armas armazenadas em mesquitas, ofensas aos Rohingya e imagens de locais "livres de muçulmanos" foram partilhadas milhares de vezes a partir de Agosto de 2017. A Birmânia aceitou, esta terça-feira, uma visita do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

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Refugiados Rohingya aguardam a distribuição de cobertores no campo de Kutupalong, no Bangladesh Reuters/ALKIS KONSTANTINIDIS;
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Durante o ano de 2017, 650 mil refugiados Rohingya foram obrigados a partir para o Bangladesh devido à perseguição de que foram alvos Reuters/CATHAL MCNAUGHTON
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Rohingya aguardam autorização da guarda de fronteira para continuar viagem até Bangladesh Reuters/NAVESH CHITRAKAR
O investigador examinou 15 mil publicações no Facebook de apoiantes do grupo nacionalista Ma Ba Tha, com 55 mil membros na rede social
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O investigador examinou 15 mil publicações no Facebook de apoiantes do grupo nacionalista Ma Ba Tha, com 55 mil membros na rede social Reuters/DADO RUVIC

O discurso de ódio no Facebook aumentou nos meses que antecederam a crise dos Rohingya na Birmânia, diz estudo da Democracy Reporting International, uma ONG que analisa o estado da democracia no mundo. Durante o ano de 2017, 650 mil refugiados Rohingya foram obrigados a partir para o Bangladesh devido à perseguição de que foram alvos. Raymond Serrato, analista digital e investigador da Democracy Reporting International, diz que uma parte da culpa pode estar no discurso de ódio que circulou na rede social.

Serrato examinou 15 mil publicações no Facebook de apoiantes do grupo nacionalista Ma Ba Tha, com 55 mil membros na rede social. As publicações mais antigas remontavam a Junho de 2016. Os picos aconteceram a 24 e 25 de Agosto de 2017, coincidindo com os dias em que militantes ARSA Rohingya, o Exército de Salvação Rohingya de Arracão, atacaram as forças governamentais. O Governo respondeu com uma “operação de limpeza” que obrigou centenas de milhares de Rohingya a abandonar o país sob pena de serem executados se ficassem.

O investigador registou que, no início da crise, houve um aumento no número de publicações no grupo, assim como um aumento de interacções na ordem dos 200%. “O Facebook ajudou alguns elementos da sociedade a determinar a narrativa do conflito na Birmânia”, disse Serrato, em entrevista ao Guardian. “Ainda que o Facebook tenha sido acusado no passado de espalhar discurso de ódio e desinformação, a pujança foi maior depois dos ataques.”

Alan Davis, do Institute for War and Peace Reporting, uma fundação que apoia a independência no jornalismo e activismo na sociedade civil em países em transição democrática, analisou durante mais de dois anos o discurso de ódio em Myanmar e as conclusões foram semelhantes às de Serrato: nos meses que antecederam Agosto, as publicações eram “mais organizadas e odiosas, e mais militarizadas”, disse ao diário britânico.

Davis encontrou muitas histórias fabricadas – como as que diziam que “mesquitas em Yangon" estavam a armazenar armas "para rebentar com templos budistas e Swedagon”, o local budista mais sagrado em Yangon. No fundo, uma campanha contra os muçulmanos a viver no país. Notou também que, nas mesmas páginas que partilhavam histórias falsas, os Rohingya eram apodados de “kalars” e “terroristas bengalis”, termos pejorativos.

Começaram também a surgir imagens (com mais de 11 mil partilhas) de sinais com a indicação “livre de muçulmanos”. Escreve o Guardian que, quando os analistas e investigadores tentaram alertar a polícia para a existência destes sinais, as autoridades disseram apenas que não tinham conhecimento deles. Quando tentaram financiar uma equipa de jornalistas para que investigasse o caso, todos rejeitaram a ideia alegando razões de segurança.

Fontes de desinformação

A Birmânia tem 53 milhões de residentes. Em 2014, menos de 1% tinha acesso à Internet. Em 2016, era o país com mais utilizadores do Facebook do continente asiático. Actualmente, são mais de 14 milhões de birmaneses a usar esta rede social.

Em 2016, um relatório da GSMA, consórcio que reúne operadores de telecomunicações, indicava que o Facebook era a única fonte de informação da maior parte dos cidadãos birmaneses. Uma porta-voz do Facebook disse ao Guardian que já foram iniciados trabalhos para remover da plataforma conteúdo que incite ao ódio. “Levamos isto muito a sério e temos trabalhado com peritos em Myanmar há anos para desenvolver recursos de segurança e campanhas de contra-discurso”, disse. Informou também que tinham 14 mil pessoas a trabalhar nisso, o dobro do ano passado, e contam ter mais de 20 mil até ao final deste ano.

Serrato pede ao Facebook que seja mais aberto com os seus dados, porque, enquanto analista, não sabe quem faz "like" e partilha certas publicações – o que seria uma ferramenta importante para identificar as fontes de desinformação. Diz, no entanto, que o mal está feito: “As coisas já estão demasiado avançadas na Birmânia… Não sei como é que Zuckerberg e companhia conseguem dormir à noite.”

Os resultados do estudo surgem numa altura em que as críticas à rede social de Zuckerberg se amontoam. O caso Cambridge Analytica, que revelou uma fuga de dados de mais de 50 mil utilizadores da rede social colocou o foco na protecção de dados e da privacidade na Internet. Começa-se a olhar para o Facebook de uma perspectiva mais crítica, analisando também o seu papel enquanto principal disseminador de notícias falsas e discurso de ódio, particularmente relevante em países onde a comunicação social é silenciada. 

Birmânia recebe Conselho de Segurança da ONU

A Birmânia aceitou, esta terça-feira, uma visita do Conselho de Segurança das Nações Unidas, depois de meses de resistência do governo birmanês. A inacção das elites políticas birmanesas face à resposta brutal do exército tem gerado várias críticas por parte da comunidade internacional. A ONU fala de uma verdadeira “limpeza étnica” por parte do exército, e o secretário-geral António Guterres pediu uma acção rápida por parte da líder birmanesa, Aung San Suu Kyi.

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