Uma floresta com futuro exige mais do que uma limpeza!

O que se está a passar é uma total e incompreensível desresponsabilização do Estado, leia-se, do atual Governo.

Faz hoje um ano que o Governo apresentou uma “reforma” dedicada à floresta portuguesa. O objetivo era promover o ordenamento e a gestão florestal procurando, através de instrumentos legais como o cadastro ou a discriminação de algumas espécies, ordenar o território ao nível do município, de modo a prevenir os incêndios florestais. Critiquei, na devida altura, as muitas contradições que o pacote legislativo continha, nomeadamente o facto de assentar em premissas erradas e de não potenciar a rentabilidade da floresta para os seus principais atores, que são os proprietários das parcelas florestais.

Passado um ano e após um trágico verão de 2017 os objetivos iniciais da reforma florestal foram esquecidos. O único propósito na floresta atualmente é “limpar” e “cortar”. Não interessa se os Planos de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PDFCI) são atingíveis, não interessa se o proprietário tem condições financeiras ou mecânicas para o fazer, não interessa se o proprietário está a perder parte da sua fonte de rendimento, porque, segundo o primeiro-ministro, “mais vale cortar a mais do que a menos”, como referiu recentemente em debate na Assembleia da República. A palavra de ordem é cortar, ignorando se é ou não exequível, se é ou não vantajoso para o ordenamento do território, se é ou não adequado para a gestão de combustível em termos de incêndios rurais.

A reforma florestal ficou, novamente, adiada. O ordenamento florestal, o cadastro e a gestão sustentável e rentável da floresta estão esquecidos.

Ninguém tem dúvidas que a prevenção de incêndios passa pela gestão do combustível na floresta. Mas o que se está a passar é uma total e incompreensível desresponsabilização do Estado, leia-se, do atual Governo. Com receio da próxima época de incêndios, está a responsabilizar os proprietários e os municípios pelo desbaste de árvores, arbustos e matos. Está a exigir aos outros aquilo que não consegue fazer nas suas propriedades.

Ao Estado, neste ano de 2018, exigia-se muito mais nas operações de corte e limpeza. Após a devastação nas áreas florestais ardidas e a proibição de plantação de novas áreas de eucalipto, o que se exigia ao Estado era uma intervenção para essas e outras áreas. Era auxiliar os proprietários com planos florestais à sua dimensão, elaborados pela entidade florestal, e simultaneamente criar a disponibilidade de se optar por outras espécies florestais.

Não questiono a necessidade e obrigatoriedade de limpar as propriedades florestais. Interrogo-me é sobre a capacidade que os pequenos proprietários têm de o fazer, uma vez que o rendimento dessas parcelas é consideravelmente inferior ao custo a que essa gestão obriga anualmente. Sim, porque os matos crescem todos os anos e todos os anos será necessária uma intervenção na propriedade.

O Governo apressou-se a garantir que quem não pode pagar, não paga! Fica o município responsável por esse encargo! Contudo, resta-nos saber quais são os critérios que permitem ao Estado avaliar se alguém tem possibilidades financeiras para realizar as operações de limpeza.

Aliás, bem vistas as coisas, talvez fizesse sentido ser o Estado a pagar uma parte do valor da dita limpeza da floresta privada, já que foi este Governo que, por iniciativa própria, decidiu condicionar a plantação de determinadas espécies nas propriedades particulares, diminuindo o rendimento económico da floresta e que, por outro lado, permitiu, durante anos, a construção em zonas florestais.

E quem é que irá limpar aqueles terrenos, no interior do país, que serão deixados ao abandono, por via da bolsa de créditos de plantação de eucaliptos que irá permitir a deslocalização de plantações inteiras para o litoral?

Para não falar naqueles ainda não cadastrados! Serão os municípios, mesmo sem grandes possibilidades financeiras, os responsáveis pela sua limpeza? Para termos a noção do verdadeiro encargo financeiro desta tarefa, basta referir que apenas 3% da floresta é pública e o Governo, para a limpar, já consignou 14 milhões de euros. Veja-se, então, qual será a dimensão financeira da limpeza das matas privadas, responsabilidade dos proprietários e, em último caso, dos municípios.

Já agora, sendo que passou para os proprietários florestais e presidentes de câmara a responsabilidade da gestão de combustíveis na floresta, qual é a intervenção do Governo na prevenção estrutural?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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