A história da primeira serial killer de animais brasileira

Vários animais entravam em casa de Dalva, mas nenhum saía. Juliana desconfiou e decidiu contratar um detective privado. Descobriram mais tarde que os animais só de lá saíam mortos, em sacos do lixo, o que levou a Justiça brasileira a condenar Dalva por agir com “deliberada intenção”.

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Dalva da Silva foi condenada por matar 33 gatos e quatro cães em 2012, mas não se sabe quantos animais poderá ter matado antes Paulo Pimenta/ARQUIVO

A brasileira Dalva Lina da Silva, de 48 anos, era vista por muitos como uma guardiã dos animais – sozinha, recebia dezenas deles por dia em casa, dizia dá-los para a adopção e admitia gostar muito deles. A capacidade que tinha para tratar de tantos animais começou a levantar suspeitas que, para tristeza de quem nela confiou, acabaram por se confirmar: Dalva recebia cães e gatos em casa e matava-os. Desde Fevereiro que Dalva cumpre 16 anos e meio de pena de prisão por ter matado pelo menos 37 animais (33 gatos e quatro cães) – mas o número pode ser bem mais elevado. Juliana Bussab, uma das fundadoras da organização não governamental Adopte Um Gatinho, contou nesta semana ao site Universa como ajudou a desmascarar Dalva, “a primeira serial killer de animais presa no Brasil”.

Os animais encontrados mortos apresentavam todos “lesões perfurantes” e hematomas subcutâneos, lê-se no relatório do Tribunal de Justiça de São Paulo, escrito pela relatora Rachid Vaz de Almeida e consultado pelo PÚBLICO. Como relatado no documento judicial, a mulher amarrava os animais, injectava-lhes cetamina (“uma substância perigosa e nociva à saúde humana e ao ambiente”) e perfurava-os, fazendo com que perdessem sangue e acabassem por morrer.

Ouvido pelo tribunal, o veterinário que analisou os cadáveres dos animais disse que eles tinham sido “mortos de forma lenta, dolorosa e cruel” e que tinham antes sido submetidos a maus tratos, sendo visível que passavam fome. “Os animais sentiram a dor e estavam conscientes no momento da execução”, reconheceu o médico veterinário Paulo César Maiorka, que foi ouvido pelo tribunal. Diz que nunca tinha visto coisa semelhante, “tanto pelo número, quanto pela forma com que os animais foram tratados”.

Em 2012, Dalva foi considerada pela Justiça como uma assassina em série de animais e foi condenada em primeira instância, mas recorreu da decisão e ficou em liberdade até 2016. Foi novamente condenada em 2017, altura em que aumentaram a sua pena para 16 anos e seis meses de prisão. Esteve desaparecida desde então, mas foi encontrada em Fevereiro, cumprindo agora a sua pena em regime semiaberto numa instituição prisional de São Paulo. Como explica a revista brasileira Exame, o regime semiaberto permite que a pessoa condenada trabalhe e faça cursos fora da prisão durante o dia, devendo retornar à unidade penitenciária durante a noite.

Como surgiu a suspeita?

A desconfiança começou em 2011 – Dalva era a pessoa aconselhada a quem precisasse de entregar animais para adopção, mas Juliana questionava-se como é que uma só pessoa conseguia ajudar mais animais do que uma organização. Dalva, confrontada por Juliana Bussab, dizia que conseguia suportar os custos, porque tinha “uma pensão boa” e também fabricava sabonetes artesanais.

“Eu sei quanto custa manter um abrigo, e ela nunca foi ligada a nenhuma organização, nada”, conta Bussab. Foi isso que a levou a dar o alerta: “Cuidado com a Dalva.” Uma conhecida de Juliana não recebeu o seu aviso e entregou 16 gatinhos que tinha resgatado a Dalva da Silva no início de 2012. Assim que soube, Juliana telefonou a Dalva e pediu a devolução dos animais, mas ela recusou, dizendo que já os tinha enviado de São Paulo para uma residência que tinha no Paraná. A voluntária, incrédula, perguntou-lhe como é que o fizera em menos de 24 horas, já que as duas cidades distam cerca de 800 quilómetros. Dalva ameaçou-a e Juliana decidiu contratar um detective privado.

Inicialmente, pensavam que ela os abandonava ou vendia ilegalmente. Quando passaram a vigiar a sua casa, o detective Edson Criado apercebeu-se de que muitos animais entravam, mas nenhum saía.

O que saía de sua casa em abundância eram sacos do lixo. O detective contratado diz que abriu alguns desses sacos que Dalva trazia para fora, enquanto olhava atentamente em redor, e encontrou gatos mortos, enrolados em jornal. Mais tarde, o detective e a organização de resgate de animais aperceberam-se que uma das pequenas cadelas que tinha sido entregue a Dalva durante a tarde, com um laço rosa, era a mesma que estava num dos sacos, ainda com o lacinho ao pescoço – tanto o momento da entrega como o da cadela embrulhada no saco ficaram registados em fotografias.

Juliana sentiu-se destroçada e sabe que não foi a única a sentir-se assim: “Não se esquece aquilo.” Nos 22 dias em que Dalva foi vigiada, o detective viu que a mulher tinha recebido em sua casa cerca de 300 animais.

Dalva não era uma “velhinha louca”

No parecer jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo, emitido no final do ano passado, é ainda referido que a arguida utilizou cetamina, uma substância nociva tanto à saúde humana como ao ambiente, nos animais, sem que tivesse licença de compra, suspeitando-se que a tenha conseguido de forma clandestina — o que agravou a sua condenação. Ainda que o fármaco fosse usado, a morte era resultante das várias “perfurações nos grandes vasos e no coração”. Uma das cadelas apresentava 18 perfurações por todo o corpo.

A arguida referiu que os animais se encontravam em fase terminal e que os matava para acabar com o seu sofrimento – mas as autoridades apuraram que se tratava de animais saudáveis. O tribunal decretou que a arguida “agiu com deliberada intenção” de magoar os animais.

“Quando o caso se tornou público, as pessoas comentavam: ‘Deve ser uma velhinha louca.’ Mas não era. Dalva tinha 42 anos, era viúva de um médico, morava num bairro nobre, numa casa grande, tinha uma filha na universidade. Era uma pessoa que, teoricamente, tinha uma vida confortável e regrada. Ninguém imaginava que, por trás disso, ela cometia aqueles actos”, disse à Universa o advogado e voluntário na associação Adopte Um Gatinho Rodrigo Carneiro, que acompanhou as declarações de Dalva em tribunal. “Acredito que ela matava por prazer”, concluiu.

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