O jardim do Campo Grande

Já se passaram 35 anos, avô, e parece que agora sou um homem. E não sei porque raio não há-de um homem chorar se sinto toda a tua falta. Por isso, afasto-me e vou à procura dos carrinhos de pedais, dos barcos, dos gelados e da bola, e dizer-te adeus enquanto passo a cada volta, é tão bom vir ao Jardim do Campo Grande

Foto
Tiago Machado

Olá, avô, não sei se já viste as notícias, mas o Jardim do Campo Grande vai ser inaugurado no dia 25 de Abril. Inaugurado não será bem o termo, o jardim está aberto, mas a zona sul tem estado em obras e, já se sabe, com obras, o jardim, e qualquer jardim, não é o mesmo.

E que dia tão bonito, avô, uma grande festa no 25 de Abril! Mas de pouco importa o feriado, o dia, a celebração e a revolução quando podemos estar juntos outra vez.

É 25 de Abril, quarta-feira, e está um daqueles dias de Sol a chamar pelo Verão, é de manhã e vens bater-me à porta do quarto, está na hora de acordar. Tomamos o pequeno-almoço juntos, torradas, leite quente com cevada, e falamos. Ao fundo o rádio ligado na Renascença, será desta o Jogo da Mala? Rimos, mal posso esperar para chegar ao Campo Grande.

Descemos as escadas do terceiro andar e apanhamos o metro na Alameda. São apenas quatro estações, e daí a pé e de mão dada atravessar a estrada.

Chegados ao jardim vou andar nos carrinhos com pedais e fazer de conta ser um condutor de Fórmula 1, ou apenas dar a volta à cidade enquanto os pés, incansáveis, andam à roda, e dizer-te adeus, avô, a cada passagem, contente por apenas ser, e tu contente por apenas seres assim mesmo, avô, com o teu neto num dia de Sol no Jardim do Campo Grande.

Depois vamos andar nos barcos, vais ensinar-me como se rema e vamos dar a volta ao mundo no lago enquanto desenterro este amor latente pela Natureza, pelos bichos em redor, os patos, os cisnes, os gansos, os peixes a quem damos o pão comprado na mercearia da esquina.

De regresso à terra e à margem, vamos jogar à bola, dar uns chutos na bola e correr atrás da bola ao ritmo das gargalhadas e do coração, e é tão simples ser feliz com um esférico nas mãos, nos pés, cair e rir, terra nas calças, ai a tua mãe que dá cabo de mim.

Cansados, vamos comer um gelado, e falar, eu faço perguntas e tu respondes, tu fazes perguntas e eu respondo enquanto te abraço, avô, apenas por estar assim, contigo.

De saída do restaurante não deixamos de reparar numa grande fanfarra, muito barulho, uma banda a tocar, discursos e palmas ao longe: a inauguração. Caminho na direcção do barulho ainda a tempo de acontecer, e de pé assisto e aplaudo na inauguração do Jardim do Campo grande.

Já se passaram 35 anos, avô, e parece que agora sou um homem. E não sei porque raio não há-de um homem chorar se sinto toda a tua falta. Por isso, afasto-me e vou à procura dos carrinhos de pedais, dos barcos, dos gelados e da bola, e dizer-te adeus enquanto passo a cada volta, é tão bom vir ao Jardim do Campo Grande, ainda não saí daqui, nunca deixaste de me dar a mão.

Sugerir correcção
Comentar