Manterruptions

A Qantas, imbuída de um novo espírito livre down under, instrui agora as suas tripulações e outros funcionários para que os homens não interrompam as mulheres quando ambos falam, já que isso pode ser visto como machismo.

O significado da palavra no título pode não ocorrer imediatamente. Não se preocupe demasiado. Por enquanto. Trata-se de um bom exemplo de novilíngua politicamente correcta, no caso aplicado pela companhia aérea australiana Qantas, num documento que cobre a totalidade dos temas modernamente tratados a propósito do que se deve dizer e, como tal, pensar. Não sobre participação política, justiça social, liberdade ou democracia, esses chavões gastos do nosso século passado. Mas sobre género, percepções dos consumidores e neutralidade corporativa, afinal tudo o que interessa hoje em dia a uma empresa que se preze.

A coisa é aparentemente simples e por isso ainda mais tenebrosa, tal como a vi anunciada na imprensa.

A Qantas, imbuída de um novo espírito livre down under, instrui agora as suas tripulações e outros funcionários para que os homens não interrompam as mulheres quando ambos falam (a tal manterruption), já que isso pode ser visto como machismo. Ensina igualmente que deve ser comunicado aos passageiros que a Austrália nunca foi sequer “povoada por ingleses”: antes o que se passou foi efectivamente uma “ocupação” ou “invasão”. Palavras como “pai” ou “mãe” devem igualmente ser evitadas no contacto com clientes, já que casais do mesmo sexo ou famílias monoparentais podem não se rever nelas. E por aí fora... E, claro, como em qualquer empresa moderna, isto é disseminado pelos trabalhadores num magnífico pack de “espírito de inclusão”, no dizer da transportadora aérea.

Entendamo-nos: a linguagem que usamos pode de facto ajudar a combater discriminações e preconceitos. Mas convém que não os substitua simplesmente por outros ou por uma suposta neutralidade que ameace o bom senso, a História ou a verdade. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem diversos acórdãos, que poderiam caber no estreitinho pack de inclusão da Qantas, precisamente sobre o conflito entre a liberdade de pensar e dizer e limitações forçadas ao discurso público quando este propaga determinadas mensagens. Que aconselhariam por exemplo os insuspeitos consultores da Qantas quando um passageiro – ou passageira! – ocupasse o seu tempo num voo Sydney-Londres (garanto: é bastante tempo) a negar o Holocausto ou a procurar converter os demais à ideologia nazi?

Os homens não devem interromper as mulheres? E que tal... as pessoas não se devem interromper, independentemente de serem homens ou mulheres? Pode ser um comentário muito retrógrado, mas prometo que até pode dar bons resultados numa conversa. E fazer maravilhas por uma empresa.

Eu falhei provavelmente a carreira. Poderia ser consultor de multinacionais e ficar milionário. E até deve haver um nome suficientemente contemporâneo e politicamente correcto para estas funções, talvez self evident truisms consultant. Pronto, estou no mercado e prometo resultados. Desde que nenhuma mulher me interrompa, claro, porque nesse caso não respondo por mim...

Sugerir correcção
Ler 3 comentários