Moradores de Telheiras não querem capela mortuária junto a escolas

Moradores e junta de freguesia opõem-se à construção de uma igreja e casa mortuária entre uma escola primária e um jardim-de-infância num terreno que foi prometido pela câmara à Paróquia de Telheiras, mas onde a autarquia construiu um espaço verde há dois anos. Paróquia diz que está “aberta” a ouvir “todas as sensibilidades”.

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O projecto de construção de uma nova igreja em Telheiras está a ser contestado por parte da população, que não quer que se construa o novo centro paroquial e uma casa mortuária entre duas escolas e que, com isso, se destrua com um jardim. 

São sobretudo pais dos alunos do Jardim de Infância de Telheiras e da Escola Básica nº1 que não querem que se perca o espaço ajardinado situado, existente entre as ruas José Escada e Hermano Neves para ali erguer um "bloco de cimento", entre duas escolas, com "dimensões e dinâmica perfeitamente desenquadradas da envolvente", sobretudo quando existe uma igreja "a 300 metros" do local onde a paróquia quer construir a nova igreja.

A surpresa e o receio fizeram com que um grupo de cinco moradoras da zona lançasse uma petição contra a intervenção. "A construção prevista vai abafar, do ponto de vista urbanístico, uma escola primária e um jardim-de-infância", diz Rita Patrício, de 46 anos, uma das autoras da petição que, desde domingo, reuniu mais de 1800 assinaturas.

Segundo explicam no texto da petição, endereçada aos presidentes da câmara e da Assembleia Municipal de Lisboa e ao Cardeal Patriarca, o projecto "corresponde a um edifício com dois pisos e inclui um centro paroquial, uma igreja e uma capela mortuária, apresentando-se totalmente desadequado face à estreita proximidade com as escolas que ocupam o espaço contíguo".

Para os subscritores, o principal problema da construção é o trânsito gerado pelas obras, dado que mais de 500 crianças são largadas e recolhidas durante a semana naquele local.

"Trata-se de uma zona que está absolutamente congestionada, em que a tomada e a largada de passageiros é caótica. Estamos a falar de uma zona de acessibilidades complicadas, de muito trânsito. Uma das ruas envolvidas é um beco sem saída que é aliás um problema reconhecido pela autarquia e para o qual não tem sido dada solução", diz Rita, que mora ali e é mãe de duas crianças que frequentam aquelas escolas.   

O espaço para onde foi apresentado este projecto é hoje um jardim que foi construído pela câmara em 2015, apesar de essa parcela estar prometida à paróquia de Telheiras desde 2003. 

Segundo Rita Patrício, aquele é “um espaço de socialização entre pais e crianças à saída da escola, o que num bairro urbano é de um valor inestimável”. Além disso, sublinha, é um espaço que facilita a circulação entre as duas escolas, já que muitos pais têm filhos nos dois estabelecimentos.

A paróquia de Telheiras diz que o projecto apresentado é ainda muito inicial e que não foi discutido com o patriarcado. E rebate as críticas da população. Da forma como o projecto foi desenhado, diz o pároco de Telheiras, João Paulo Pimentel, nada se alterará ao nível da fluidez do trânsito. “Terá estacionamento subterrâneo, com uma entrada antes de chegar às escolas. E o fluxo de pessoas na igreja é sobretudo ao domingo e ao sábado quando as escolas estão fechadas”, nota. 

Uma história antiga

A história daquele espaço é antiga e intrincada. O jardim que hoje lá está foi concluído no final de 2015 pela câmara de Lisboa. Mas foi construído num espaço que a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) – extinta em 2014 pelo município - destinara à então Paróquia do Lumiar já desde 2003. 

Tal como o PÚBLICO noticiou em Fevereiro de 2016, o pedido do Patriarcado de Lisboa para que aquele terreno, com cerca de 2100 metros quadrados, que era propriedade da EPUL, fosse cedido à então Paróquia do Lumiar vinha já desde 1993. Ali seria erguida uma nova igreja, uma vez que a antiga, anexa ao Convento de Nossa Senhora da Porta do Céu, a 300 metros dali, não teria condições.

Dez anos depois, em Setembro de 2003, a EPUL acabou por celebrar um protocolo e um contrato-promessa de constituição de direito de superfície com os representantes da Igreja Católica para dar resposta ao pedido do patriarcado. Os documentos tiveram o aval da autarquia e estabeleceram que, além da cedência do terreno pelo preço simbólico de cinco euros, a EPUL faria obras na igreja que se encontrava degradada, no valor de 497 mil euros.

Como contrapartida, a paróquia teria de desocupar as áreas do convento que estavam a ser utilizadas pelos escuteiros, para a catequese e casas mortuárias. O imóvel, classificado como monumento de interesse público, encontrava-se parcialmente arruinado e foi expropriado pela EPUL a um particular em 1983. A autarquia acabou por vendê-lo, já em 2012, em hasta pública, à Socei, uma cooperativa ligada ao Opus Dei para ali construir o colégio feminino Mira Rio – cujas obras ainda decorrem.

Só que o contrato definitivo e a escritura não chegaram a ser celebrados e as obras não se iniciaram. Mas a paróquia desocupou o velho convento e a EPUL fez as obras que prometera.

Em Março de 2012, a paróquia de Telheiras, entretanto criada, voltou a escrever à EPUL e ao então presidente da câmara, António Costa, para que a escritura fosse agendada. Segundo o contrato-promessa, a escritura deveria ter sido feita até Setembro de 2005, mas esse prazo não era imperativo.

Para responder à paróquia, o então vice-presidente da câmara, Manuel Salgado, pediu informações à empresa, mas a resposta só chegou no final de 2013, quando a EPUL já estava a ser gerida por administradores liquidatários.

Nessa informação, os administradores concluíram que o direito de superfície se “extinguiu automaticamente” por não ter sido respeitado o prazo de cinco anos para a execução da obra. E referem ainda que em 2005 e 2006, a EPUL pediu ao patriarcado, por escrito, os documentos necessários à marcação da escritura, mas que nunca obteve resposta. E chegaram à conclusão de que já não havia “qualquer instrumento jurídico válido” entre as partes. O contrato-promessa estaria desfeito. 

Abriu-se então uma discussão com o departamento jurídico do município. A EPUL pediu autorização à câmara para tentar vender o terreno, o que “contribuiria para atenuar as necessidades de tesouraria da empresa”, então em falência técnica. E solicitou também informação sobre aquilo que poderia ser construído no local, em caso de venda. A resposta dos serviços de Urbanismo é que, à luz do Plano Director Municipal (PDM), naquela parcela só poderiam ser construídos “equipamentos”, como a igreja, e qualquer outra finalidade, como pretendiam os liquidatários, seria uma “hipótese muito remota", já que implicaria a alteração do PDM.

Manuel Salgado concordou e mandou comunicar à EPUL, em Fevereiro de 2014, enquanto a paróquia continuava a insistir na entrega do terreno e apesar dos liquidatários da empresa insistirem que “o protocolo [de 2003] já não produz quaisquer efeitos”. 

Apesar disso, os serviços da câmara, por indicação do vereador, reuniram-se com a paróquia e com o patriarcado no final do mês de Abril. A paróquia insistia que tinham sido feitos “sucessivos contactos (não escritos)” entre eles e os responsáveis da EPUL para marcar a escritura. A Direcção Municipal de Gestão do Património (DMGP) alegava que a obrigação legal de cedência da parcela era “inexistente”. 

Nos processos camarários não mais voltou a haver referência a estes contactos. Com a extinção da EPUL, o terreno regressou para a câmara municipal. Em Outubro de 2015, a DMGP começou a tratar dos documentos para a constituição do direito de superfície a favor da paróquia, considerando agora que havia um contrato válido e que a posição do patriarcado de querer a celebração do contrato era difícil de ultrapassar. 

Foi então uma fiscalização camarária ao local que deu conta de que naquele espaço reservado para a paróquia tinha sido construído um jardim pela própria câmara, concluído no final de 2015. 

Contrato assinado 14 anos depois 

A cedência da parcela só seria aprovada pela Assembleia Municipal de Lisboa a 15 de Novembro de 2016 e avaliada em mais de um milhão de euros. 

Na proposta da câmara de Lisboa lê-se que “atendendo às dificuldades económicas do Patriarcado de Lisboa e os fins a que se destina à cedência (…) foi atribuído ao presente direito de superfície o preço simbólico de € 5,00 (cinco euros) a liquidar no acto da outorga do contrato de constituição do direito”.

O contrato definitivo foi assinado em Junho de 2017, disse ao PÚBLICO o pároco de Telheiras, João Paulo Pimentel, confessando que a contestação da população o apanhou “desprevenido”. 

“Eu herdei este assunto. A comunidade católica de Telheiras sempre deu a entender que queria que houvesse uma igreja maior”, notou. “Esta é uma igreja conventual, é uma igreja pequena que para as coisas da semana serve perfeitamente. Ao fim de semana depende, há ocasiões em que fica um bocado pequena”.

A paróquia fez um concurso em que convidou cinco arquitectos para elaborarem um projecto para a nova igreja. O júri, constituído por membros da paróquia, decidiu-se pelo projecto de Alexandra Cantante, que prevê a igreja, casas mortuárias, estacionamento e um centro paroquial com três andares. 

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De acordo com o prior, à frente da paróquia desde Setembro de 2016, o projecto não foi ainda aprovado pelo patriarcado. A câmara confirmou também ao PÚBLICO que, até ao momento, não tinha dado entrada nos serviços qualquer projecto para aquela parcela de terreno. "Quando e se tal se verificar, a CML não abdicará de analisar o projecto e de fazer valer todas as suas prerrogativas para fazer cumprir a legislação urbanística em vigor", acrescentou. 

Cumprindo os prazos definidos no protocolo celebrado com a autarquia, o projecto terá de ser apresentado para licenciamento até Novembro.

Uma das críticas feitas pelas peticionárias é a de que as “decisões relativas à utilização futura do espaço em causa tenham sido tomadas sem o devido envolvimento de todos os interessados”, apanhando a população de “surpresa”. 

“Desde que sou pároco, não digo todas as missas, mas no final pedia às pessoas que dessem ideias do que queriam para a igreja”, diz João Paulo Pimentel. 

“As capelas mortuárias dão-me pena que não haja, porque os moradores também precisam desse espaço e não há ali tão perto. Mas é uma das coisas que se for preciso prescindir não vejo inconveniente nenhum”, continuou

A ser concretizado o projecto agora apresentado, serão necessários três milhões de euros para o pôr de pé.

Junta de freguesia reitera críticas 

O pároco admite alterar o projecto, baixar a altura dos muros que fazem sombra. “Eu estou aberto. Quero ouvir as várias sensibilidades”. 

Do lado da Junta de Freguesia do Lumiar, o presidente Pedro Delgado Alves reconhece que o projecto apresentado para o local “não parece de todo minimamente adequado”. O autarca aponta a “volumetria muito grande” dos edifícios “com dois, três andares”, como uma dos defeitos, já que criará sombra para as escolas e retirará uma zona verde à freguesia. 

Para Delgado Alves, a construção de uma igreja capaz de acolher 600 pessoas não é também uma necessidade. “Não sentimos que seja uma igreja que esteja sobrelotada com muita frequência”, diz. 

A solução ideal seria a câmara ter encontrado outro local, em Telheiras, para a construção da igreja. O presidente da junta diz que foram apresentadas duas alternativas, que não foram aceites pelo patriarcado. “Têm que ser terrenos municipais. Das duas únicas parcelas disponíveis, uma era imediatamente ao lado do túnel do metro e portanto não pode ter construção. A outra tinha uma área menor”, detalhou, concluindo que naquela zona não existem hoje muitas alternativas. 

Além disso, o autarca receia que ali se crie “uma frente de estaleiros infindável”, já que a escola primária entrará em obras para uma "requalificação profunda" no início de 2019. “Estamos a procurar sensibilizar a paróquia e o patriarcado para que reequacione o projecto, que nos parece sobredimensionado e desadequado ao local”, concluiu Delgado Alves, adiantando que reunirá com os peticionários na próxima semana.

“Temos a certeza que com boa vontade entre todas as partes envolvidas será possível encontrar um terreno que não fira o tecido urbano”, diz Rita Patrício, merecendo a concordância tanto da junta de freguesia como da paróquia. 

O PÚBLICO perguntou ainda à autarquia sobre a construção do jardim, a localização dos terrenos alternativos que foram apresentados à paróquia para a construção da nova igreja, mas as questões continuaram sem resposta

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