O melhor professor de Portugal

Ao deitar, o melhor professor não deixa de sentir um certo complexo de culpa pois, afinal, é tão fácil ser o melhor professor de Portugal. O sono vem em instantes para olvidar a culpa na longa noite, antes de mais um dia de trabalho

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Celia Ortega/Unsplash

O melhor professor de Portugal acorda todos os dias às 8h, a escola é mesmo ali ao lado e o melhor professor não tem de se preocupar com transportes.

Acorda, com calma, veste-se, com calma, e vê as notícias enquanto toma o pequeno-almoço, com calma, para assim estar a par de quanto vai no mundo, ou não fosse a aprendizagem contínua.

Às 9h15, o melhor professor de Portugal entra na escola, cumprimenta os colegas e auxiliares, toma um café no bar dos professores e troca dois dedos de conversa sobre a visita de estudo ao Louvre do mês que vem, antes de se dirigir para a sala de aula.

De caminho, a Dona Rosa, a auxiliar do pavilhão A, onde o melhor professor de Portugal lecciona, já lhe fotocopiou todos os exercícios do caderno, fotocópias essas entregues em mão, organizadas por turma e ano lectivo.

À chegada à sala, os alunos já estão todos à espera, em silêncio e em fila, com o pequeno-almoço tomado, descansados (moram todos ao pé da escola e foram para a cama cedo), vestidos de acordo com a estação, mas sempre com roupas leves dentro da escola, equipada que está do rés-do-chão ao tecto com ares condicionados de última geração, e desertos por saber tudo o que os espera em mais um dia de escola.

O melhor professor de Portugal estaca à porta da sala de aula e, durante dois segundos, sorri diante do olhar desperto e curioso daqueles que um dia, quando o melhor professor for mais velho, virão para lhe agradecer e tomar o lugar, por sua vez como os melhores professores de Portugal.

O dia decorre e as aulas também, os alunos são exigentes e exigem saber, fazem perguntas e ainda mais perguntas, umas serão trabalho de casa, outras são para o melhor professor procurar saber e saber ensinar.

Durante a hora de almoço ainda há tempo para responder a uns emails de pais preocupados com os exames que se aproximam, mesmo se os mesmos estão a mais de seis meses de distância, sem esquecer os pais ao fim do dia e à porta da escola enquanto o melhor professor de Portugal se despede dos seus alunos, pais esses igualmente indagantes, igualmente sequiosos de saber como vão os seus filhos e se não seria melhor mandar um pouco mais de trabalho para casa. O melhor professor responde que não, “Por amor de Deus, vocês já fazem tanto, e o vosso filho, e a vossa filha, já fazem tanto, deixem-nos ser crianças, deixem-nos adolescer”, e sorri.

De vez em quando lá vem um saco de limões lá do quintal, ou uma dúzia de ovos lá da quinta, em sinal de agradecimento ao melhor professor de Portugal.

Mas o dia ainda não acabou, à noite há formação, mas não há problema por roubar mais umas horas ao dia, o saber não ocupa lugar, a formação é gratuita, as horas extraordinárias pagas e ainda se ganha um dia de férias.

O dia, finalmente, chega ao fim para o melhor professor de Portugal e a barriga já a dar horas, mas a casa é logo ali ao lado e, depois de um farto jantar, ainda há tempo para ver um filme ou tomar um café no Café de esquina enquanto se vê a bola.

Ao deitar, o melhor professor não deixa de sentir um certo complexo de culpa pois, afinal, é tão fácil ser o melhor professor de Portugal. O sono vem em instantes para olvidar a culpa na longa noite, antes de mais um dia de trabalho para o melhor professor de Portugal.

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