Gastronomia para uma "viticultura de precisão"

Jantar vínico no The Yeatman, em Gaia, levou para a mesa os vinhos do alentejano Monte da Ravasqueira.

Leitão
Fotogaleria
Leitão Luís Octávio Costa
Fotogaleria
Aperitivo Luís Octávio Costa
Fotogaleria
Pedro Pereira Gonçalves, enólogo e administrador do Monte da Ravasqueira DR
Fotogaleria
Monte da Ravasqueira DR
Fotogaleria
DR

Há quase oito anos que é assim. À quinta-feira Ricardo Costa pega na garrafeira de um dos parceiros vínicos do The Yeatman e interpreta-a, dando azo à imaginação. "Todas as semanas tenho um grande desafio diferente", disse à Fugas o chef executivo do hotel — premiado com uma Estrela Michelin desde 2011 e duas Estrelas Michelin no Guia 2017 — concluído o jantar vínico Monte da Ravasqueira sob o mote "3000 hectares de histórias de um terroir único".

Pode falar-se de uma espécie de gastronomia de precisão que aqui casa com a "viticultura de precisão", conceito sobejamente apresentado por Pedro Pereira Gonçalves, enólogo e administrador do Monte da Ravasqueira, localizado em Arraiolos. "Permite-nos conhecer a vinha talhão a talhão, linha a linha, planta a planta, e fazer corresponder as uvas ao perfil de vinho mais adequado", explicou, perante as novas colheitas de alguns vinhos icónicos do Monte (Premium, Vinha das Romãs, Reserva da Família e duas experiências do enólogo: o Late Harvest e o Licoroso) que foram desfilando ao ritmo das criações de Ricardo Costa.

Para primeiro prato, e depois de um aperitivo à base de tomate, azeitona e manjericão ("algo molecular", uma experiência para lançar na Primavera), o chef, que descreve os seus pratos como quem os prova, apostou numa enguia fumada com soro de leite, fermento frito e um molho "mais forte (quase tinta de chocos, quase à bordalesa) dadas as características do vinho". "O fumo da enguia... o umami do soro do leite, do queijo forte, da ilha, do parmesão... aquele umami todo que potencia as papilas gustativas... quando estamos a comer queremos mais, mais, mais". Juntou-lhe um choco, uma gamba.

Foto
Enguia

Já estava na mesa a gama Premium Ravasqueira (no rótulo uma carruagem, homenagem a D. Manuel de Mello, que em 1943 comprou a propriedade, onde hoje vive uma colecção privada de atrelagens com 37 exemplares originais), uma selecção de vinhos "com muito mais pormenor, muito mais trabalho de enologia e de viticultura". "Não existem uvas boas e uvas más", anota a propósito Pedro Gonçalves. "Existem uvas para um determinado perfil de vinho. E todos os anos tentamos identificar essas variáveis dentro da vinha, fazendo uma selecção muito especial."

Se a enguia teve como protagonista o Ravasqueira Premium Rosé 2015, o segundo prato (ovo com "cocochas al pil pil" de bacalhau, um prato suculento, "quase basco de cozedura lenta", uma "junção de sabores fortes a coentros, tostas de pão quase de uma sopa ou açorda alentejana", "um sumo de coentros com o suco de abrir os bivalves, quase um à Bulhão Pato, mas mais intenso" e com toque de presunto) teve a companhia do Premium Branco, vinho que fica um ano em total repouso em barricas, sem influência de qualquer factor externo e com total liberdade de evolução.

Foto
Ovo

Essa escolha "planta a planta" contamina também o Premium Tinto, lançado apenas em anos excepcionais. "Essa ferramenta permite-nos interpretar o vinho e potenciar ao máximo a característica da vinha todos os anos. Somos dos poucos vinhos portugueses em que isso acontece", sublinha o enólogo do Monte da Ravasqueira. "Por isso é que só conseguimos três vindimas em 16 anos", justifica. "Vemos as fotografias aéreas dos talhões, provamos, sentimos a diferença dada a concentração e a intensidade do aroma, isolamos e trabalhamos essas cepas à parte. Juntas dão origem a um perfil de vinho que no fundo representa o terroir da Ravasqueira."

O prato de carne teve como base um leitão de 3,5kg. "Quase só servimos a pele e a barriga", explica o chef. Mais um risotto com as miudezas, com trufa e tomilho. Serviu-se uma espécie de "leitão mexicano, picante, com guacamole, com uma parte crocante a fazer lembrar a Bairrada". Casou com o Monte da Ravasqueira Vinha das Romãs 2014, outro dos segredos que teve origem em 2002 quando foi plantada uma vinha num antigo pomar de romãs. "Ao longo dos anos a vinha foi-se enraizando e deu origem a um vinho com uma estrutura muito particular. Foi apenas quando estudámos o solo em pormenor que descobrimos a origem de tanta personalidade e textura. As raízes da nova Vinha das Romãs encontravam-se entrelaçadas com as raízes das romãs, que ali ficaram a enriquecer o solo. O que sobrou das raízes das romãs tornou esta vinha muito particular pelo impacto que teve no solo." Assim nasceu um "puro single vineyard" sempre daquele talhão e sempre produzido a partir de uvas das castas Syrah e Touriga Franca, provenientes de pequenas parcelas de uma área de cinco hectares dentro da Vinha das Romãs.

Foto
Leitão

A sobremesa, "quase açoriana" de ananás, chá verde e pistacho teve à mão um copo de Late Harvest 2015, um vinho de sobremesa "com perfil internacional" criado "no clima quente alentejano". "O que se faz", explica Pedro Gonçalves, "é deixar as uvas a secar na vinha e juntar ao processo a parte tecnológica: pegar nas uvas já em passa, desidratadas, colocá-las numa câmara frigorífica a menos 20 graus e prensá-las congeladas como se fosse ice wine, que é feito em neve. A essência deste vinho é a frescura que casa com a doçura. Não é só doce, é fresco. E cheira a casta, cheira a alperce, a apricot, a alperce." O processo resulta na produção de apenas 2500 litros.

Foto
Ananás, chá verde, pistacho

Duas mil garrafas é o número de unidades do vinho Licoroso — de uma escolha de cepas "uma a uma", das castas Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz — que acompanhou o café e o momento mignardises.

Sugerir correcção
Comentar