A União Europeia e o penso rápido pós-crise

Aproveitando esta onda de bem-estar relativo, os dirigentes europeus deviam dedicar-se a tentar perceber se os esforços que têm sido feitos pela Europa nos últimos anos serão suficientes para atenuar os efeitos de uma crise futura.

Foi há sensivelmente dez anos que do outro lado do Atlântico o mundo assistiu ao início de uma recessão económica que iria ter repercussões enormes durante os anos que se seguiriam, não só nos Estados Unidos da América (EUA) como também na Europa e na Ásia. Esta crise levou a que a União Europeia repensasse as suas instituições, principalmente na Zona Euro, a fim de tentar mitigar as falhas de um sistema de moeda única implementado numa zona que apresenta uma heterogeneidade tal que leva muitos a questionarem a sua viabilidade.

Porém, a verdade é que a Zona Euro se mantém, e fá-lo, de momento, apresentando o maior crescimento da última década. Porém, enquanto isso, investidores e analistas americanos indicam que nos aproximamos do pico do ciclo económico que só pode ser seguido de um tombo. É por isso que, aproveitando esta onda de bem-estar relativo, os dirigentes europeus deviam dedicar-se a tentar perceber se os esforços que têm sido feitos pela Europa nos últimos anos serão suficientes para atenuar os efeitos de uma crise futura.

Comecemos pelo problema da dívida soberana, ou seja, aquilo que um Estado deve aos seus credores nacionais e internacionais. Em Portugal, segundo a base de dados PORDATA, nos anos pré-crise, a dívida pública portuguesa em percentagem do PIB era de 71,7%, um valor que parece residual quando comparado com a última previsão para 2017 do Eurostat, que se aproxima dos 132% do PIB português. Percursos semelhantes se verificam para outros países do Sul, como é o caso de Itália (134,7%), Grécia (175%), Espanha (99,3%) e até mesmo França (99,8%) que em novembro passado foi advertida pela Comissão Europeia devido aos elevados níveis de dívida pública. Ora, estando à mercê das preferências dos mercados e investidores externos, acontece que países como Portugal, Itália e Grécia podem muito bem ser vistos mais uma vez como países cuja dívida é insustentável, assistindo, assim, ao corte no seu financiamento e ao aumento dos juros da sua dívida, criando mais uma vez uma espiral recessiva problemática. No entanto, perante uma passividade face ao problema por parte da UE, há falta de espaço de manobra para que estes países possam reduzir a sua dívida sem que comprometam o seu investimento público ou até mesmo a estabilidade política.

Outro aspeto crítico que tem sido apontado no contexto da crise é o sistema bancário. Houve um esforço por parte dos dirigentes europeus para que se melhorasse a sua estabilidade, o que levou à formação de uma União Bancária que assenta em três pilares que visam, de um modo geral, garantir que os bancos europeus não entrem em insolvência, partilhar o fardo entre Estados-membros caso tal aconteça e, enquanto isto, proteger os seus depositantes. Apesar deste esforço ter levado a uma forte recapitalização dos seus bancos, esta ainda é uma União Bancária incompleta, dado que o financiamento insuficiente do seu Fundo de Resolução Bancário e a inexistência de um Fundo de Garantia de Depósitos a nível europeu não permitem uma responsabilização supranacional, caso seja necessário um resgate de um sistema bancário insolvente, continuando a colocar o peso de resolução de uma crise bancária nos ombros de cada Estado-membro.

Em cima desta falha temos ainda o problema do crédito malparado do sector empresarial, ou seja, empréstimos cujo pagamento dos juros ou prestações subjacentes não é efetuado num determinado espaço de tempo. Segundo o Financial Times, este tipo de crédito ascende até cerca de 800 mil milhões de euros na Zona Euro. Numa intervenção em Washington, o Diretor Geral do Mecanismo de Estabilidade Europeu, Klaus Regling, apontou este como um dos maiores problemas europeus do momento, não só pela fragilidade que cria no sistema financeiro - alguns críticos referem até que esta pode vir a ser a causa de uma próxima crise bancária -, como pela sua contribuição para a redução dos (já escassos) mecanismos de partilha de risco entre países do Euro.

Existem, no entanto, algumas ideias sobre como solucionar estes problemas e salvaguardar os países europeus face a uma crise vindoura. No que toca à dívida pública, as opiniões dividem-se entre as mais radicais, como a criação de um mecanismo de reestruturação de dívida ou a tomada de posição do BCE como prestamista de último recurso (credor de Estados-membros em situações de colapso), e menos radicais como a emissão de dívida cujos juros estejam indexados ao crescimento económico do país, reduzindo os pagamentos em períodos de recessão. Em relação ao crédito malparado, a solução mais consensual seria a criação de várias entidades focadas em comprar este crédito aos bancos para depois revender a investidores interessados. Isto implicaria uma maior coordenação a nível europeu entre os vários países ou, no limite, a criação de uma entidade única europeia.

No entanto, há que questionar se Zona Euro irá conseguir ultrapassar as diferenças políticas e ideológicas que muitas vezes têm bloqueado o seu avanço para solução das suas vulnerabilidades, evitando entrar numa espiral autodestrutiva. Este é um desafio estruturante da próxima década.

Referências:

https://www.ft.com/content/119be3c4-f602-11e7-a4c9-bbdefa4f210b

https://www.esm.europa.eu/speeches-and-presentations/europe-prepared-next-crisis-klaus-regling-speaks-washington-dc

https://voxeu.org/article/getting-rid-non-performing-loans-europe

https://www.bloomberg.com/view/articles/2017-11-29/europe-needs-a-way-to-prevent-the-next-greek-style-debt-crisis

Eugénia Pires, Economia com Todos

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