Partido de Merkel pressiona-a a pensar na sucessão

Críticas dentro da CDU sobem de tom após cedência do Ministério das Finanças aos sociais-democratas. A chanceler diz que este Governo vai dar espaço para que outros políticos preparem o seu “futuro”.

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Angela Merkel CLEMENS BILAN/EPA

Já há algum tempo que há apelos a renovação dentro da União-Democrata Cristã (CDU), da qual Angela Merkel foi, nos últimos 12 anos, a líder incontestada e poderosa. Mas as críticas à líder e apelos a que abra espaço a uma renovação - e, sim, à sucessão - passaram de pequenos sussurros ao que é já quase um clamor.

O diário Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) comenta, a propósito da forma diferente como se está a manifestar o descontentamento nos dois principais partidos alemães com o acordo de coligação entre ambos, que a CDU não é um partido que costume ter discussões em público. Assim, ganham ainda mais peso as várias críticas na imprensa que têm mostrado o descontentamento do partido com Merkel, que cedeu nas negociações para a grande coligação o Ministério das Finanças aos sociais-democratas, e o do Interior ao seu partido-gémeo na Baviera, a CSU.

Se há uns meses se constatava apenas que “Merkel já passou o seu zénite”, agora as palavras são mais directas: “Começou a transição para a era pós-Merkel”, dizia o Süddeutsche Zeitung. O antigo governador do Hesse, Roland Koch, pedia abertamente a Merkel que começasse o processo da sua sucessão, numa entrevista ao FAZ.

"Bye, Bye"?

As críticas subiram de tom, os críticos estão mais corajosos. A imprensa internacional também o nota, e tablóides britânicos e os media russos festejam mesmo a fraqueza da chanceler alemã.

Uma das caras da renovação do partido, Jens Spahn, secretário de Estado das Finanças e que teve Schäuble como mentor, reagiu à cedência deste ministério pela CDU ao SPD e às declarações do seu potencial ministro, Olaf Scholz: “Não queremos que abram o champanhe no gabinete de [Alexis] Tspiras”, referindo-se ao primeiro-ministro grego e a uma ideia de que o Governo de Atenas, ainda sob fortes constrangimentos por causa do empréstimo da troika, pudesse achar que teria mais folga com uma posição mais flexível do Governo alemão. Scholz afirmou que Berlim não quer ditar aos outros países como se devem desenvolver, aludindo a erros do passado nesse aspecto. 

O actual ministro das Finanças do governo de gestão, Peter Altmaier, veio logo defender que não havia qualquer risco de o SPD aplicar a sua ideia de dar prioridade ao investimento, face à exigência de défice zero e de o país não se endividar. “Cada euro que for dado, cada decisão que for tomada em Bruxelas, tem de ser tomada pelo Governo em conjunto”, assegurou. “A CDU pode garantir que a Constituição vai ser respeitada”, afirmou Altmaier - a Alemanha tem desde 2009 limites à dívida inscritos na Constituição. 

A chanceler percebeu?

Merkel sempre foi conhecida por afastar os potenciais candidatos a sucessores de um modo ou outro, mas garantiu que o novo Governo dará espaço a ambições políticas, numa entrevista à estação de televisão pública ZDF no domingo à noite. “Agora trata-se de dar hipóteses de futuro político a outras pessoas”.

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Carro do Carnaval de Colónia alusivo a Angela Merkel SASCHA STEINBACH/EPA

Um dos seus críticos, o líder da juventude da CDU, Paul Ziamak, reagiu com agrado: “A chanceler percebeu”, disse. Ziamak tinha desafiado Merkel a incluir no Governo pessoas que a critiquem, como Jens Spahn, mas até agora não há menção de Spahn nas possíveis listas de ministros. Outros não partilharam a satisfação imediata de Ziamak - afinal, Merkel é jogadora exímia no tabuleiro do poder político. 

O caminho da CDU pós-Merkel dependerá não só dos cargos escolhidos tanto para o Governo mas também de quem ocupará o lugar de secretário-geral - Peter Tauber, o actual, está gravemente doente e será substituído. Após a reunião da liderança da CDU da próxima semana e o congresso do partido a 26 de Fevereiro, poder-se-á ter uma melhor ideia da sua direcção.

No entanto, há sempre margem para surpresas: o sucessor de Helmut Kohl estava preparado há muito tempo pelo seu mentor; chamava-se Wolfgang Schäuble. Mas tanto Kohl como Schäuble foram implicados num escândalo de financiamento do partido e quem surgiu à frente de um movimento para uma política responsável livre de dúvidas sobre as formas de financiamento partidário foi uma das figuras mais improváveis: a então quase desconhecida Angela Merkel.  

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