Polícia californiana acusada de colaborar com militantes neo-nazis

Agentes terão pedido a elementos da extrema-direita para identificar activistas anti-racistas durante um protesto que degenerou em violência.

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Imagem de arquivo de um protesto contra a extrema-direita nos EUA Shannon Stapleton

A polícia do estado norte-americano da Califórnia é suspeita de ter colaborado com elementos de um grupo neo-nazi, o Partido Tradicionalista dos Trabalhadores, para identificar e levar a tribunal activistas anti-racistas, noticia o jornal Sacramento Beeo Guardian. A acusação é sustentada por documentos da defesa de três activistas anti-fascistas que estão a ser julgados por distúrbios ocorridos numa manifestação em Sacramento, em Junho de 2016. Durante o protesto, pelo menos um dos arguidos sofreu ferimentos de arma branca.

Os documentos que integram o processo indicam a colaboração entre agentes da brigada de trânsito da polícia da Califórnia e vários membros do referido partido neo-nazi, e que estes foram encarados como vítimas pelas autoridades. É referido, por exemplo, o pedido de auxílio feito a um dos dirigentes da organização racista, Derik Punneo, para que este identificasse elementos anti-fascistas presentes no protesto em Sacramento. 

Punneo, segundo consta de relatórios judiciais, foi visitado por agentes na prisão, onde estava por crimes de violência doméstica, e terá identificado alvos através de fotografias. Registos áudio revelam que, em troca, a polícia ofereceu protecção  ao neo-nazi. “Vamos atrás deles. Olhamos para ti como uma vítima”, cita o Guardian.

A outro dirigente neo-nazi, Doug McCormack, organizador da marcha em Sacramento que motivou o protesto dos anti-racistas, não só foi prometida protecção como anonimato. Ao pedir autorização para o acto político, um responsável policial a cargo da investigação, Donovan Ayres, advertiu McCormack que, por lei, o seu nome seria listado publicamente. Ayres acabaria por solicitar que o nome não fosse divulgado. E segundo os documentos, o oficial tinha ainda conhecimento que o neo-nazi estaria na posse de uma arma branca durante a manifestação.

Tanto Punneo como McCormack não foram acusados de qualquer crime na sequência dos distúrbios que acabariam por ocorrer no evento.

Os relatórios de Ayres são exaustivos nas informações sobre os activistas anti-racistas, reiteradamente tratados como suspeitos na investigação aos distúrbios. Em relação a um destes, um cidadão afro-americano que foi esfaqueado durante os protestos, Ayres recomenda que seja acusado de 11 crimes. Do ficheiro do potencial suspeito, e como indício de uma suposta intenção criminosa, fazia parte uma fotografia retirada do Facebook, onde este aparecia com o punho cerrado e erguido, um dos símbolos da resistência negra. Sobre essa fotografia, o agente da polícia escreveu que mostrava a sua “intenção e motivação para violar os direitos civis” do grupo neo-nazi. O suspeito acabou por não ser acusado, mas o episódio é agora recuperado pela defesa dos arguidos levados a tribunal como exemplo da ausência de imparcialidade da polícia californiana. 

“É chocante e revoltante ver o grau de conluio e a quantidade de vezes que a polícia protegeu os nazis”, ao Guardian Yvette Felarca, que responde em tribunal pelos distúrbios, apesar de ter sido esfaqueada e agredida. Também foi referida em pormenor nos relatórios de Ayres, onde se sublinhava o seu ativismo político nas questões de raça e de género.

Contactado pelo jornal britânico, o vice-procurador distrital californiano, Steve Grippi, responsável em tribunal pela acusação contra os activistas anti-fascistas, nega as suspeitas de parcialidade e acusa os arguidos de falta de colaboração com as autoridades. Grippi salientou ainda que existe também um processo em curso contra um elemento do partido neo-nazi na sequência dos incidentes em Sacramento.

O Guardian, contudo, sublinha que esta não é a primeira vez que agentes das autoridades norte-americanas são acusados de proteger e de colaborar com elementos da extrema-direita, citando os casos recentes de Charlottesville e do Oregon, onde a polícia foi acusada de passividade perante ataques militantes anti-fascistas.

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