Ex-secretária-geral do Ministério da Justiça nega ter manipulado Cresap

Segundo a acusação, Maria António Anes terá favorecido o seu amigo António Figueiredo quando este se recandidatou ao lugar de presidente do Instituto dos Registos e do Notariado

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Enric Vives-Rubio

A ex-secretária-geral do Ministério da Justiça e arguida no processo Vistos Gold negou esta terça-feira em tribunal ter manipulado concursos da comissão que selecciona e recruta candidatos para a administração pública. Mas admitiu ter dado esclarecimentos ao arguido António Figueiredo.

"A minha intenção não era ajudar" António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) e um dos arguidos no processo, disse em tribunal Maria Antónia Anes, vogal no concurso da Comissão de Recrutamento e Selecção para Administração Pública (Cresap) em que aquele dirigente da administração pública foi reconduzido.

A responder pelos crimes de corrupção e tráfico de influência, Maria Antónia Anes referiu que apenas esclareceu António Figueiredo no preenchimento do inquérito de auto-avaliação de acordo com o seu currículo, alegando que não lhe deu qualquer informação. No entanto, e apesar de ter afirmado que não se lembrava de ter lido o currículo de António Figueiredo, a ex-secretária-geral do Ministério da Justiça sustentou que se "limitou a cortar coisas" que não estavam incluídas no currículo e que teve acesso ao inquérito de auto-avaliação a título pessoal.

Disse também que a ministra da Justiça da altura, Paula Teixeira da Cruz, queria que António Figueiredo continuasse no IRN, tendo em conta que era "um excelente dirigente" e "mantinha o IRN em paz social".

O procurador do Ministério Público confrontou-a com o facto de as suas declarações em tribunal  contradizerem aquelas que prestou às autoridades quando foi detida em 2014. Disse que tinha mostrado arrependimento, mas que agora mudou de atitude. Uma mudança que a arguida atribui ao facto de há três anos e meio ter sido colocada numa cela durante cinco dias. Não quis comer e queixou-se de ter sido tratada com "a maior das agressividades".

"Qualquer declaração minha nessa altura é de circunstância. Espero que ninguém tenha passado por isso", afirmou a ex-secretária-geral do Ministério da Justiça. 

Segundo a acusação, Maria Antónia Anes terá alegadamente manipulado os concursos a que António Figueiredo se candidatou ao lugar de presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, posição que já ocupava e à qual foi reconduzido depois dos dois concursos terem sido anulados por falta de número de candidatos aptos. A amizade entre os dois remontará a 2004, quando a arguida era directora do centro de formação e António Figueiredo director dos Registos e Notariado.

Os investigadores encontraram emails entre a vogal da Cresap e o então presidente do IRN que mostram que o próprio candidato terá ajudado a definir o perfil do cargo a que concorreu em Novembro e Dezembro de 2013.

Incumbida pela então ministra da Justiça de elaborar os documentos que acompanhariam a abertura do concurso, nomeadamente o perfil de competências, a então secretária-geral do ministério terá enviado a 10 de Outubro desse ano um email a António Figueiredo, intitulado IRN Presidente - MJ Requisitos especiais do cargo a concurso. O objectivo, lê-se na acusação, era que “terminasse o respectivo preenchimento de acordo com o próprio perfil assim adequando os requisitos do concurso ao seu curriculum”.

A resposta chegou seis dias mais tarde, igualmente por email, com a sugestão de requisitos como “experiência comprovada de colaboração com outros países, especialmente com países membros da CPLP” ou experiência em “projectos de desmaterialização/simplificação no domínio específico dos registos e notariado”. As sugestões acabaram por ser quase integralmente incluídas nos requisitos que Maria Antónia Anes enviou para o presidente da Cresap, João Bilhim, a solicitar a abertura do concurso, publicada a 7 de Novembro de 2013.

O caso Vistos Gold tem 21 arguidos — 17 pessoas singulares e quatro empresas — e está relacionado com indícios de corrupção activa e passiva, recebimento indevido de vantagem, prevaricação, peculato de uso, abuso de poder e tráfico de influência na atribuição e aquisição de vistos 'gold'.

Além de Maria Antónia Anes, o processo coloca ainda no banco dos réus o ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, o ex-director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Jarmela Palos, o ex-presidente do INR, António Figueiredo, três empresários chineses, um empresário angolano, o empresário português da indústria farmacêutica Paulo Lalanda de Castro e dois funcionários do Instituto dos Registos e Notariado.

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