Por um plano nacional de infra-estruturas

Imaginemos que agora caíam do céu mil milhões de euros para investirmos em infra-estruturas nos próximos dez anos. Para onde apontaríamos a seta? Para que alvo(s)? A única resposta honesta é simplesmente: não sabemos.

Conta-se que um dia Robin dos Bosques, ele próprio um exímio atirador de arco e flecha, recebeu informações de que numa certa aldeia todos os alvos à vista tinham uma seta pelo meio. Incrédulo e perplexo com tal feito, mandou investigar. Como seria possível uma tal perícia generalizada dos habitantes dessa aldeia numa actividade que ele sabia, por experiência própria, requerer um elevado nível de esforço e uma prática constante. Ainda pensou que por ventura os alvos eram tão grandes que assim não seria tão difícil acertar mesmo no meio. Mas qual seria o segredo dos aldeões? A investigação dos seus emissários junto dos anciãos de tal aldeia revelou o segredo. O costume local era primeiro atirar a seta e só depois desenhar o alvo à sua volta.

Este simples conto tem todos os elementos necessários para caracterizar a história do investimento em infra-estruturas em Portugal nas últimas décadas. É que, de facto, passamos por todas as possibilidades nele mencionado. Quando, no início dos anos 90 do século passado, o grande esforço de investimentos em infra-estruturas começou, o alvo era tão grande que qualquer seta nele acertava. Ou seja, o nosso ponto de partida era tão parco e as necessidades tão evidentes, que o difícil era investir em infra-estruturas que não fossem de alguma forma úteis ao país. Chegados à primeira década do século XXI, contudo, mais e mais se começou a investir primeiro e a justificar depois. O resultado foi um grande número de projectos de investimento com rentabilidade no mínimo bastante duvidosa. Seguiu-se a década em que nos encontramos, em que essencialmente deixámos sequer de atirar setas ao alvo e o investimento em infra-estruturas estagnou.

E eis que chegámos ao momento actual. Imaginemos que agora caíam do céu mil milhões de euros para investirmos em infra-estruturas nos próximos dez anos. Para onde apontaríamos a seta? Para que alvo(s)? A única resposta honesta é simplesmente: não sabemos. Contudo, investir às cegas já não funciona e investir primeiro e justificar depois não é aceitável. Assim, só nos restaria uma alternativa que é praticar a sério para poder atirar a seta com acuidade, ou neste caso inventariar e planear de forma compreensiva e estratégica as necessidades e as aspirações nacionais em matérias de investimentos em infra-estruturas.

Quando se fala em investimento, seja de que tipo for, qualquer investidor privado sabe que não planear e deixar ao acaso é uma receita certa para o insucesso. É assim porque não há nada de espontâneo e de extemporâneo em decisões acertadas de investimento. Por outro lado, quando se fala em investimentos em infra-estruturas, pela sua própria natureza, o papel do Estado neste planeamento é fundamental. Aliás, diria que é absolutamente necessário. As infra-estruturas, mesmo quando não são bens públicos, estão sempre ligadas a externalidades e a economias de escala. Assim sendo, é sabido que os mercados não são suficientes para dar uma resposta cabal e que a intervenção do Estado pode ter um papel decisivo. De facto, nas economias de mercado de hoje, os investimentos em infra-estruturas podem ser públicos, podem ser público-privados através de parcerias e podem até ser só privados. Ainda assim, são sempre projectos de iniciativa pública. É ao Estado que compete definir os contornos estratégicos para estas actividades.

Neste momento, e graças às acções tanto do actual governo como do seu antecessor, o país já não está em estado crítico. Já não é necessário dedicar todas as nossas forças apenas ao exercício de sobrevivência orçamental e macroeconómica. Assim, em matérias de investimento em infra-estruturas, chegou a altura de começar a praticar de novo o desporto do tiro ao alvo que passa por primeiro desenharmos os alvos e depois praticarmos a perícia no lançamento das setas. Em suma, temos de começar a planear o que queremos que aconteça.

A primeira e a mais importante prioridade é a criação de um Plano Nacional de Infra-Estruturas. Este plano deverá não só inventariar as várias necessidades do País como também estabelecer as suas prioridades estratégicas. Deverá ser abrangente e estar atento às interacções entre as diferentes áreas de investimento. Especificamente, não chega só identificar e priorizar as necessidades e os anseios nas áreas tradicionais como sejam os transportes ou as comunicações. É fundamental perceber, por exemplo, como cada uma destas áreas encaixa no panorama económico mundial, em geral, e na União Europeia, em particular. Mais importante, mas muito mais difícil de conseguir, é antever as novas áreas de intervenção no futuro.

A natureza gigantesca da tarefa de criar um Plano Nacional de Infra-Estruturas tem duas implicações muito claras. Primeiro, sobre quem deve estar encarregado de tal tarefa e segundo, sobre a melhor forma de garantir que não é um exercício fútil.

A criação de um Plano Nacional de Infra-Estruturas tem de estar a cargo de uma entidade pública – um Conselho Nacional de Infra-Estruturas – que, respondendo directamente ao governo, goza de total independência técnica. Esta entidade deve ter uma natureza permanente e deve ser dotada dos recursos adequados à dimensão da sua tarefa. Tem também de ter transversal, ou seja, composta por elementos e valências que representem as diferentes áreas de infra-estruturas de modo a garantir uma visão tão global quanto possível.

Fica depois a questão de como garantir que os esforços de planeamento do Conselho Nacional de Infra-Estruturas não sejam em vão. Aqui parece ser fundamental a existência de mecanismos de auscultação e de interacção a sociedade civil, de modo a existir não só a maior transparência nos processos mas também com o objectivo de se conseguir uma alargada plataforma de entendimento e de apoio à sua implementação. A contrapartida política teria de ser que as recomendações deste Conselho seriam o ponto fulcral de um acordo de regime com um apoio político suficientemente alargado para sobreviver a vários ciclos de alternância democrática. A necessidade de continuidade, que é importante em tantas outras coisas da vida económica, é imprescindível em matérias de investimentos em infra-estruturas que pela sua própria natureza demoram muito tempo quer a planear quer a construir. Vale a pena lembrar que investimentos como estes caracterizam-se em quase todos os casos como tendo custos imediatos e benefícios diferidos no tempo. Talvez por esta razão adiar um investimento público seja muitas vezes a alternativa política mais expediente, mas é preciso reconhecer que a inacção neste domínio condiciona em muito o futuro das próximas gerações e a sua capacidade de criação de valor. 

Para concluir, manda a verdade que fique escrito que nesta matéria as intenções expressas recentemente pelo Governo através de declarações do senhor primeiro-ministro e também do senhor ministro das Infra-estruturas e Planeamento são muito positivas e parecem reconhecer a natureza desta questão. Contudo, se é importante perceber qual deve ser o caminho a percorrer, é ainda mais determinante caminhar. O problema é passar das palavras às acções que efectivamente as concretizem. Infelizmente, a política económica em Portugal tem um longo historial de boas intenções que nunca disso passaram. Um Plano Nacional de Infra-Estruturas elaborado por um Conselho Nacional de Infra-Estruturas é neste momento imprescindível e é também uma tarefa cuja concretização está longe de ser simples ou de gerar dividendos políticos imediatos. Os meus votos para 2018 são que esta necessidade se torne realidade.

CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais - www.cidadaniasocial.pt

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